Por Anderson Campos, no Portal da FPA
As mobilizações de massa que eclodiram em âmbito nacional nesse 17 de junho demonstram a necessidade de refletirmos sobre as novas práticas de mobilização juvenil. Os movimentos tidos como tradicionais não estão dormindo, pois possuem suas agendas específicas e mobilizam em torno delas. Mas estão distante dessa construção histórica iniciada pela luta por redução das tarifas de transporte público. Os rumos do movimento estão em disputa. Retorno conservador ou avanço pela esquerda? As respostas dependem da capacidade de atualização das práticas dos militantes que atuam nos movimentos tidos como tradicionais e não na negação dos mesmos. A fobia aos partidos, por sua vez, só pode ser combatida com mais partido e não com sua ausência nas lutas sociais.
Agenda concreta que afeta a vida dos jovens
Há tempos que o custo de vida de ser jovem tenciona questões sociais. O transporte urbano é exemplo de transformação de um serviço público em mecanismo de acumulação privada. Essa maior mercantilização de um direito penaliza a juventude de forma cruel. Afinal, quanto custa ser jovem nas grandes cidades?
As mobilizações contra o aumento das tarifas de transporte público não são uma novidade no Brasil. Lembremos a Revolta do Buzu, mobilização dos estudantes baianos que até ganhou documentário. Isso já tem uma década.
Por mais que a direita, os conservadores e a grande mídia empresarial tentem disputar a pauta de reivindicações, a juventude tem ido às ruas por questões muito concretas: reduzir o custo e melhorar a qualidade do transporte público. Outras questões aparecem, mas muito marginalmente.
Porém, a audiência de público, o alcance nacional (mais de uma dezena de capitais mobilizadas num único dia) e a repercussão midiática ocorreram graças a um movimento de solidariedade. A violência policial em São Paulo rendeu imagens repetidas em todos os noticiários (televisivos, impressos, nas redes sociais); mobilizações em várias capitais foram convocadas por solidariedade às mobilizações de São Paulo; uma comoção de autoridades políticas a artistas de diversos lugares.
No caso de São Paulo, ainda temos forte lembrança das manifestações públicas convocadas pelas redes sociais, como o #gentediferenciada.
Redes sociais como ferramenta de mobilização
O Movimento Passe Livre – MPL apresenta-se nesse momento como a grande novidade de organização juvenil. Aparece como apartidário, espontaneísta e que se recusa a disputar o poder. Não é anarquista, pois reivindica a negociação com o poder público. Tem lideranças, coordenação política e muita organização. As redes sociais estão sendo muito bem utilizadas como ferramenta de mobilização política.
As organizações tradicionais – sindicatos, entidades do movimento estudantil, partidos de esquerda – ainda não conseguiram atuar com essa nova ferramenta. Os métodos tradicionais de organização das mobilizações de rua permanecem válidos, obviamente, com alcances diferentes.
Para a Marcha dos Cem Mil, realizada em Brasília em 1999 contra o Governo FHC, os movimentos sociais transportaram os militantes em ônibus de todo o país. Para realizar uma manifestação sindical ou estudantil, as entidades necessitam percorrer suas bases (locais de trabalho, escolas) para convoca-las, garantir ônibus para desloca-las e de um carro de som para comanda-las.
Estes movimentos organizam uma pauta de reivindicação e representam suas bases sociais para negociar em nome delas. No caso dos sindicatos, eleições com participação dos filiados definem quem representa. Os representantes eleitos negociam com os empregadores e fecham acordos após aprovação em assembleia dos representados. É assim que funciona nos sindicatos combativos.
E nos movimentos mais recentes, como são definidos os representantes? Como constroem as pautas de reivindicação? Como fecham acordos após negociar?
Não é interesse desse texto refletir sobre o papel de organizações políticas com pouquíssima relevância social que acabam protagonizando as piores imagens das mobilizações. Desde a depredação de patrimônio público até queimar carros de trabalhadores.
Interessa aqui a reflexão sobre a continuidade de um movimento que se ergue com tamanha magnitude e com novas práticas de mobilização e de organização de jovens. O MPL nega o poder institucional, mas é com ele que precisa negociar.
Para além de notas públicas
Uma das características da maioria dos atos ocorridos neste dia 17 de junho nas capitais brasileiras é o repúdio aos partidos políticos. Ou melhor, o repúdio às pessoas que participam de partidos. Antes de taxar essa postura como fascista, é importante refletir sobre as razões possíveis, se queremos detectar possíveis formas de derrotar essa partidofobia.
As formas difusas de convocação dos atos contribui muito para esse sentimento antipartido. Há forte afirmação de que os partidos não são bem-vindos. Qualquer partido! A ênfase nessa partidofobia é tão grande que provoca hostilidade, às vezes violenta, aos militantes que optaram por participar de um partido político. Usar camiseta do partido é motivo de xingamento, vaia e até de empurrão.
Porém, devemos ser autocríticos para irmos a fundo sobre as razões que alimentam esse sentimento. O PT é construído por militantes partidários que atuam nos movimentos sociais. Não basta publicar nota pública de solidariedade ao movimento. É preciso ter participação ativa, defesa cotidiana das reivindicações, apoio prático às mobilizações. O PT não é o partido da ordem, não nasceu com essa vocação. A nota pública deve ter consequência na organização prática da militância partidária que atua nos movimentos sociais.
Estar ausente na construção do movimento ou mesmo da agenda do movimento pode ser o principal motivo de repulsa, de acusação de oportunismo, quando a bandeira do partido é erguida magicamente. É bom repetir: não é assunto desse texto a reflexão sobre os partidos sectários que pouco influenciam na vida do povo. Tratamos aqui sobre o PT e o papel da sua militância nas mobilizações sociais.
Tivemos experiências sensacionais de utilização das redes sociais para mobilização durante as eleições de 2012. Onde ficou aquela criatividade e engajamento militante? O PT lançou uma campanha pela reforma política, com abaixo-assinado em apoio ao Projeto de Lei. Muitas das reivindicações que se apresentam a partir da convocação “traga sua bandeira e vem pra rua” possuem conexão com a necessidade reforma política. O consenso em torno do ataque à Rede Globo está em grande sintonia com a campanha pela democratização dos meios de comunicação. Tais conexões não ocorrerão de forma espontânea. Se os movimentos organizados não assumirem a tarefa de disputar os rumos das mobilizações, frustraremos uma geração de militantes utópicos que, depois de cinco horas de mobilização, ainda possuem fôlego para cantar “somos tão jovens” em pleno Largo do Arouche às duas da madrugada.
Qual agenda?
É exatamente em torno da agenda de luta que se organiza a disputa de rumos. A direita e seus militantes nos jornais, TVs e parlamentos estão disputando a agenda das mobilizações. Não conseguiram mobilizar a sociedade contra os governos petistas através de campanhas como o “Cansei”. Não conseguiram fazer do tomate o mascote da campanha pela volta da política econômica neoliberal, cujo centro é a meta de inflação. Agora, tentam imputar como agenda central das mobilizações que eclodiram em âmbito nacional nesse dia 17 a derrota do Governo Dilma.
A mobilização tem caráter progressista. Expressa um majoritário sentimento antiprivatização, reivindica o direito de ir e vir na cidade, critica as políticas antipopulares impostas pela realização da Copa. Esse caráter pode funcionar como uma espécie de antídoto às manipulações midiáticas e das forças conservadoras.
O ato do dia 17 iniciou a passagem da luta econômica (revogação do aumento da tarifa) para a luta política, ao reivindicar maior democratização da sociedade e por ser profundamente crítica ao sistema político em curso.
Essa dimensão ajuda a lembrar o que diferencia um governo petista. Abrir mesa de negociação é importante, mas não é suficiente. Deve-se criar espaços de participação para definir rumos das políticas públicas. Um governo popular e democrático tem a capacidade de ceder às pressões populares.
Em diálogo com as realidades vividas pelo povo brasileiro, é possível formular políticas concretas como a assistência estudantil para a maioria da juventude. Passe livre para jovens de baixa renda e cadastrados em programas sociais pode ser um ponto de partido fundamental. Dá abertura para avançar em outros aspectos da política de permanência dos estudantes no sistema educacional. E, mais que isso, alterar a correlação de forças para encaminhar políticas progressistas como o aumento de impostos sobre as maiores rendas e a participação popular na definição do orçamento público.
Os movimentos sindical, de moradia, estudantil, dentre tantos outros, precisam levar sua militância e bandeiras para as mobilizações de massa que estão em curso. Contribuir com a convocação e com a propaganda. Para quebrar o ranço ou a desconfiança em relação aos militantes partidários, é necessário demonstrar, na prática, que tais militantes são militantes, porque realmente militam. O PT não é um partido da ordem. Lutamos por um mundo de igualdade, com participação ativa do povo organizado nas decisões públicas.
* Anderson Campos é sociólogo, autor do livro “Juventude e ação: crítica ao trabalho indececente”.
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