Cledisson Junior
A discriminação refere-se ao ato de fazer uma distinção que em termos sociológicos geralmente se refere à diferenciação injusta e arbitrária, que tem na sua base a crença de que os indivíduos que pertencem a determinadas categorias ou grupos como social, racial, político, religioso e sexual, entre outros têm maior probabilidade de possuir características indesejáveis. O racismo é um caso particular de discriminação em que o indivíduo, por sua cor da pele pode sofrer tratamentos diferenciados, no sentido de ter bloqueadas oportunidades sociais e econômicas, ou simplesmente de ser alvo de segregação.
No Brasil, o racismo tem suas raízes na escravidão e na anulação dos valores da cultura negra feita pelos colonizadores como forma de legitimar a dominação. A força desse racismo pode ser medida pelo fato de a escravidão ter dominado a história do Brasil por mais de três séculos, sendo o último país do mundo a aboli-la.
É importante destacar que nenhum outro país do mundo foi tão completamente modelado e condicionado pela escravidão quanto o Brasil.
A escravidão e o Brasil se confundiam.
O marxismo possibilita uma análise crítica acerca das relações sociais, dentre elas as de raça e etnia, mediante uma perspectiva de totalidade que não permite fragmentar a realidade, buscando apreendê-la além da aparência, das representações, sem esquecer, portanto da essência dos fenômenos sociais e de suas determinações.
Ao expor em bases materiais concretas a subordinação das negras e negros, permite engendrar ações transformadoras desta situação, transformações em torno da busca pela igualdade substantiva, já que, além de expor em bases materiais, vai à essência dos fenômenos, apreendendo as grandes determinações e as particularidades das condições de vida das negras e negros.
Um grande erro em analisar o racismo consiste em acentuar a ênfase nas diferenças, apenas como construções culturais, não se analisando, em uma perspectiva de totalidade, que essas expressões culturais têm marcas de classe, ao denotarem nitidos interesses da burguesia e da pequena burguesia em perpetuar subordinações e explorações que a favoreça, seja em mão-de-obra barata e precarizada, seja na histórica instrumentalização das negras e negros enquanto meios de produção gratuitos no periodo escravocrata e detentores dos piores postos de trabalhos na contemporeidade.
É fundamental analisar o racismo no esteio da contradição entre capital e trabalho e das forças conflitantes das classes sociais que determinam essa contradição. Sendo a contradição o foco das desigualdades sociais, e o conflito a luta entre as classes, faz-se imprescindível relacionar a luta das negras e dos negros como um movimento legítimo contra as desigualdades, no interior da classe trabalhadora.
A luta anticapitalista é uma luta antirracista.
Os estudo do racismo se voltado para um real compromisso com a emancipação das negras e negros, não deve se limitar a categoria meramente analítica e descritiva, mas possuir um caráter político, que redunde em ações concretas e transformadoras.
O capitalismo em seu sistema de exploração busca alicerçar sua dominação ao utilizar critérios discriminatórios, entre os quais étnicos raciais imputando a uma camada da sociedade elementos que retira as condições de acesso aos meios de produção (propriedades, terras, conhecimento técnicos, maquinários) e ao poder político.
Leis e dinamicas culturais visam criam impecilhos ao acesso ao poder econômico e político negando as negras e os negros toda sorte de oportunidades.
A existência de uma grande parcela de trabalhadores que é obrigada a vender sua força de trabalho por um preço abaixo do praticado faz constante pressão pra baixo nos salários gerais. O trabalhador médio (branco, escolarizado) vive entre o baixo salário e a ameaça de ser substituído por um outro trabalhador (negro, pouco escolarizado) disposto a ganhar menos do que ele.
Objetivando cada vez mais garantir a acumulação dos setores proprietários, o capitalismo se utiliza do racismo em consonância com seus interesses.
A manutenção do racismo enquanto elemento multiplicador na acumulação da mais-valia acirra as disputas no interior da classe trabalhadora.
No plano politico o racismo cria distorções dentro dos instrumentos de luta do movimento operário que no Brasil historicamente compreende os trabalhadores negros e negras como ameaças a naturalização do papel dirigente dos trabalhadores oriundos dos setores médios frente as lutas da classe. Em muitos casos dificultando a identificação e ação unitária contra a burguesia.
O racismo como um importante limite na organização dos trabalhadores
No interior das organizaçoes do movimento operario, dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda é constante a reprodução de atitudes e discursos racistas, sem que eles sejam percebidos como tal. O racismo é praticado por inúmeros militantes socialistas que o condenam. Combater o racismo não pode ser comprendido simplesmente como reconhecer sua existência e se posicionando contra ele. A luta antirracista exige dos socialistas a construção de uma nova cultura politica que permite aos companheiros negros e negras as mesmas oportunidades de organização, dinâmicas formativas e ascenção na estrutura dirigente mediante ao reconhecimento da qualidade dos quadros políticos em questão, levando em consideração as condições objetivas que permeiam a vida dos negros e negras em detrimento à realidade dos quadros brancos.
Os reflexos ante as praticas e/ou manifestações racistas no interior do movimento operário e em seus instrumentos de luta atingem duramente os militantes negros e negras que se veem impotentes diante de uma situação não explícita de discriminação. A sensação de impotência é igual ou maior do que a vivida diante da agressão física, porque as vítimas não encontram acesso a recursos e a apoios adequados para se protegerem do agravo e de suas conseqüências indesejáveis.
O processo de consolidação da ideologia dominante tratou de naturalizar o simbolico racista de tal forma que seu potencial ofensivo é artificialmente minimizado. A violência simbólica antecede e justifica a violência física.
Do mesmo modo a violência simbólica das expressões, dos termos, das piadas racistas, reforça a naturalização de uma inferioridade que legitima a violência física praticada contra os trabalhadores negros e negras.
O estudo e os processos de formação são tarefas estratégicas para melhor qualificar a militância socialista na luta contra o nossos inimigos de classe. É de grande importância que seja levado em conta a inclusão de elaborações teoricas de autores da diáspora negra e estudos referenciados nas experiências de lutas do povo africano haja visto que historicamente estamos todos sujeitos a nos apropriarmos somente da produção teórica dos brancos que ocuparam papel de destaque na historia de luta da classe trabalhadora.
A formação de espaços auto organizados permitindo assim que a militância negra possa desenvolver táticas que concatenadas as nossas especificidades na luta de classes, resultará em uma potencial adesão da população negra que se identificará nas pautas propostas e na construção de um programa revolucionário em dialogo com suas realidades, permitindo assim uma vantagem comparativa na busca pela emancipação da consciência deste grande numero de trabalhadores.
É de fundamental importância que as organizações consequentes do campo socialista e suas frentes de atuação assim como seus instrumentos de luta insira na sua politica de formação a questão racial. Somente assim estaremos derrubando barreiras que implicam nas praticas racistas identificadas nos espaços comuns da militância. É um importante momento onde deve prevalecer valores como a solidariedade e a disciplina na busca pelo fortalecimento das nossas organizações e da nossa capacidade de incidir na luta politica em curso.
Para a realidade brasileira e para o sucesso da luta do movimento operário se faz essencial que os militantes brancos possam traduzir em companheirismo a confiança politica, elemento fundamental para o empoderamento e melhoria da capacidade dirigente dos companheiros que sentem na pele os efeitos nocivos de todo o preconceito produzido e propagado contra os negros e negras em mais de 500 anos de história.
Um significativo passo na busca pelo nosso aperfeiçoamento organizativo é o reconhecimento pelos companheiros brancos dos privilégios que a sociedade lhes reserva e que são mantidos mesmo nos espaços organizados dos trabalhadores e trabalhadoras.
Para o nosso bem e frente a disputa de hegemonia no interior da sociedade este movimento é catártico e libertador. Reconhecidos esses privilégios, eles podem, inclusive, serem colocados a serviço do fim dos próprios privilégios. Basta o comprometimento com a luta revolucionária.
*Cledisson Junior é conselheiro da Escola de Formação do Partido dos Trabalhadores.
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