Ao ler dois artigos, um na revista Época e outro na revista Veja, nos animamos a pensar sobre as mobilizações de rua da juventude francesa.
FREDERICO LISBÔA ROMÃO
Nos dois textos, os jovens e suas mobilizações são virulentamente atacados. Um dos artigos, ao tempo que critica as mobilizações de hoje, defende as históricas agitações de ruas de maio de 1968, ocorridas também na França. As passeatas atuais, contra a precariedade do primeiro emprego representam, para as revistas, o atraso, a falta de imaginação. Os que ontem buscavam “pôr a imaginação no poder”, colocando por terra Charles de Gaulle, “símbolo de uma França arcaica”; hoje correm por “medo do futuro”.
O que mudou tanto na juventude? Deixaram de ser arautos das transformações, assumindo o papel de coveiros do futuro?
O processo de mobilização social, que tem como símbolo maior a França de maio de 68, ganhou o mundo. As turbulências foram globais: Chicago, Paris, Praga, Cidade do México, Tóquio, Berlim viram-se agitadas por protestos. A juventude saía às ruas gritando contra as promessas irrealizadas de um mundo melhor, anunciadas pela utopia iluminista.
As agitações de 68 foram abre alas para a pós-modernidade. Chegaram negando valores fundamentais do modernismo, sedimentados no arcabouço societal desde o século XVIII. Era demonstração inequívoca de que o projeto iluminista de crença da objetividade da ciência, do futuro progressista, linear e promissor havia sido nocauteado por duas Guerras Mundiais, pelo medo da perspectiva da hecatombe nuclear, pelo crescimento da fome em um planeta socialmente apartado pelas contradições de classe.
O pós-modernismo se tornou hegemônico nas décadas seguintes; o fragmentário, o individual, o subjetivo passaram a ser a tônica. Uma nova estética social e econômica se globalizou. As saídas deixaram de ser coletivas; a dispersão, a paixão pelo efêmero e a sede insaciável pelo novo, pelo descartável, são mobilizados para dar vazão a uma produção flexível a serviço de um consumismo que substitui o direito do voto pela liberdade de comprar. Aprofunda-se a contradição entre o trabalhador e o consumidor, duas esferas tornadas antitéticas.
A crescente escalada guerreira do pensamento único e sua outra face, o crescimento terrorista, assiste impassivo à fome na África e à brutal exclusão social no Brasil e por todo o ceio desta América Latina. A mesma tecnologia que clona e transmuta seres vivos, mesmo sem a garantia dos seus reflexos para vida, na nossa frágil nave terra, não tem permissão dos donos do poder para estar a serviço dos desvalidos.
A juventude tem se colocado, generosa e valentemente, ao longo dos tempos, como instrumento a serviço das transformações. Foi assim nas Greves de 1905 na Rússia, na Praça da Paz Celestial em Pequim, nas batalhas campais em Seul, no Brasil durante a ditadura militar, nas praças de Aracaju no início dos anos 80, no Fora Collor. Nessa conjuntura, saudamos as manifestações dos jovens franceses, que seus exemplos sejam seguidos pelos jovens de todo o mundo. Que as mobilizações de Paris cresçam, somem-se à dos jovens estudantes sergipanos e brasileiros na luta pelo passe livre. Que todo esse processo sirva para que repensemos as relações sociais excludentes que estão a nortear nosso mundo globalizado. Que sepultemos de uma vez por todas o pós-modernismo neoliberal.
Que vivan los estudiantes
jardines de las alegrías
son aves que no se asustan
De animal y policía
Frederico Lisbôa Romão, é doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP e militante do PT e da DS em Sergipe –fredromao@uol.com.br
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