Por Emir Sader, na Carta Maior
Assim que foi eleito, em 2007, Rafael Correa anunciou que o Equador se somava ao processo de saída da longa noite de trevas do neoliberalismo e que não se tratava apenas de um uma época de mudanças, mas de uma mudança de época. Depois de ter 5 presidentes derrubados sucessivamente por mobilizações populares, o Equador escolhia um jovem economista para dirigir o país, apoiado em imensas mobilizações populares.
“Políticas que puderam manter-se na base de enganos e de atitudes antidemocráticas por parte de seus beneficiários, com apoio total de organismos multilaterais, que disfarçaram de ciência a uma simples ideologia”- assim Correa caracterizava as políticas neoliberais que haviam predominado por tres décadas em todo o continente. O que caracterizava efetivamente a essas políticas era que “beneficiavam ao grande capital e sobretudo ao capital financeiro”.
No Equador, depois de uma grave crise que viveu o país, em 1999, produto das políticas de desregulamentação da circulação do capital, houve uma grave crise financeira, que destruiu a moeda nacional e a conclusão do neoliberalismo era de que o problema era ter uma moeda nacional. E em 2000 o Equador eliminou sua moeda nacional, substituída pelo dólar.
Paralelamente se satanizava o Estado e a política, substituídos pelo mercado e por técnicos, supostamente neutros. “E assim se elevou a sumos sacerdotes aos economistas, a tecnocratas, e esse é um dos mais graves erros que se podem cometer, as decisões tem que se tomadas por homens políticos, com uma visão integral: em outras palavras, não deem muita importância aos economistas, que temos só uma visão parcial das coisas.”
Burocratas, do país e de fora, se reuniam três dias em algum hotel de cinco estrelas e decidiam o que era bom e o que era ruim para nossos países, “faziam o diagnóstico” davam soluções, “porque nós éramos tontos e eles, sim, eram iluminados”. Fracassavam e organizavam um novo seminário, no mesmo hotel de cinco estrelas, durante três dias, para ver porque tinham fracassado e tentar de novo. “No final de contas, não eram eles que pagavam as consequências dos seus erros, nós é que pagávamos.”
Correa afirma que está convencido de que “as decisões de política pública devem ser tomadas por mulheres e homens políticos, com uma visão integral e com legitimidade democrática, plenamente responsáveis por seus atos; à luz do dia e não nos suntuosos escritórios dos organismos multilaterais”.
Coincidem os anos em que começaram as recessões e as depressões que afetaram a países como oa EUA, a Grã Bretanha e a França, entre outros, para ver que são os momentos m que maior rentabilidade tem o capital especulativo. Suas previsões de que o livre comercio acelera o crescimento econômico foram desmentidos frontalmente pela realidade concreta.
A América Latina e todos os países do Sul do mundo sentiram os efeitos dessas políticas na conta comercial pela redução da demanda de bens primários e pela remessa, sem contrapartida de lucros para o Norte. Na conta de capitais, pela repatriação dos astronômicos recursos requeridos pelos planos de salvamento propostos pelos governos do Norte.
Mas a diferença política é que “a esquerda hoje não está em minoria” na América Latina. Muitas vezes parece que “a esquerda se acostuma a estar na oposição e não entende que no poder, desde o executivo, temos que governar e temos que gerar mãos para governar e muitas vezes nossos próprios companheiros de esquerda parecem ser nossos principais opositores, continuam mantendo essa dinâmica de quando, insisto, éramos minoria, tínhamos governos neoliberais, governos entreguistas”.
“Este é um ponto importante de reflexão: o pragmatismo que deve acompanhar a nova esquerda”, ressalta Correa. “Como dizia Pepe Mujica, esse querido amigo Presidente do Uruguai: ‘essa esquerda do tudo ou nada é a melhor aliada do status quo’, porque se queremos o tudo ou nada, vai dar no nada, podem estar seguros…”
Ganhar as eleições na América Latina, como em quase todas as partes do mundo, até mesmo nos Estados Unidos, não é ganhar o poder, é ganhar uma parte do poder. Os poderes reais continuam vivos: os poderes econômicos, os poderes sociais, o poder informativo, “esse terrível adversário que tem os governos progressistas da América Latina: empresas de comunicação que tomam o lugar dos partidos de direita em decadência, fazem política descaradamente e tratam de desestabilizar e conspirar diariamente”. Esse poder está muito vivo, junto a poderes religiosos e às ingerências internacionais.
Mas há um ressurgimento da esquerda na nossa região, que representa ao mesmo tempo um ressurgimento e o despertar dos nossos povos. “Mas devemos ser uma nova esquerda, uma esquerda que não repita os erros da esquerda tradicional, que é preciso reconhecê-los, temos que ser autocríticos. Se satanizou no passado a palavra “revisionista”, mas temos que revisar-nos dia a dia, inventar-nos dia a dia. Isso é o que busca o socialismo do século XXI, o socialismo do bom viver que praticamos no Equador”.
Comente com o Facebook