Proposta do MEC reforça supremacia do ensino privado.
O Governo Federal anuncia para 2005 a realização de uma reforma universitária. Pelo caráter estratégico da produção de conhecimento e do desenvolvimento tecnológico na conformação de um projeto de nação, este debate assume grande relevância no processo de disputa de rumos do governo Lula. O conteúdo desta reforma tende a ser um indicador do modelo de desenvolvimento que se pretende praticar no país.
Durante o século XX, a Universidade refletiu de forma dramática a alternância de hegemonias na sociedade brasileira. Sempre que um projeto político de inspiração desenvolvimentista e afirmação dos interesses nacionais adquiriu fôlego, buscou-se estabelecer nas universidades um modelo de ensino compatível com essas aspirações. Da mesma forma, sempre que opiniões conservadoras, liberais ou autoritárias prevaleceram, a Universidade sofreu forte pressão para abrir mão de seu compromisso republicano.
Um mau começo
O Ministro da Educação, Tarso Genro, optou por iniciar esse processo com uma iniciativa de forte apelo midiático. Logo após sua posse, apresentou o programa “Universidade para Todos”. A repercussão na imprensa e o amplo debate suscitado evidenciam o óbvio: a democratização do acesso à universidade deverá ser o tema que despertará maior atenção da opinião pública no debate sobre a reforma universitária.
O que está sendo proposto, no entanto, não é “estatização”, como tem sido dito, mas sim
compra de vagas. A proposta propõe a isenção de todos os impostos e contribuições federais às universidades privadas que aderirem ao programa. Em contrapartida, as instituições deverão oferecer 10% de suas vagas ao MEC. As universidades federais se responsabilizariam pela distribuição das vagas.
É grande a expectativa da sociedade brasileira, em especial da população mais pobre, em ver ampliadas as possibilidades de ingresso no ensino superior. O debate crítico acerca do projeto “Universidade para Todos” deve ser feito em diálogo com esta enorme expectativa.
Por que o projeto é ruim
Primeiramente, o MEC traz uma proposta de democratização do acesso que tem como centro a oferta de vagas no ensino privado, e não na rede pública. Também é absolutamente questionável a proposta de conceder às instituições filantrópicas a possibilidade de se transformarem em empresas, permitindo-lhes acumular lucro e dividi-lo entre seus sócios.
Para avaliar a proposta do MEC, é preciso também que se considere o atual quadro de crise do ensino superior privado no Brasil. A expansão desenfreada do ensino privado desde 1994 deu origem a um modelo de baixa qualidade e extremamente caro. Como resultado, 37,5% das vagas no ensino privado estão ociosas, apesar da alta demanda. No inicio do governo FHC, 69% das vagas da graduação estavam concentradas no ensino privado. Hoje já são 83,3% nessas instituições contra apenas 16,7% nas públicas (ver tabela). O alto índice de inadimplência e o numero elevado de vagas ociosas são sintomas da crise deste modelo, em que a educação superior foi transformada em artigo de luxo.
O “Universidade para Todos”, ao sugerir isenção fiscal em troca de vagas que já estão ociosas, funcionará, na prática, como uma política de socorro às instituições particulares, reforçando a supremacia do privado sobre o público. Além disto, como a expansão do ensino privado se deu sem preocupação com a qualidade, há a possibilidade dessas vagas “estatizadas” serem oferecidas em cursos de péssima qualidade.
Reorientar o debate
A reforma que almejamos deve ter como princípio norteador a recuperação e a valorização da educação superior pública, gratuita e sua reafirmação enquanto elemento estratégico fundante de um novo modelo de desenvolvimento. No Brasil, são as universidades públicas as principais responsáveis pela produção científica; seu enfraquecimento compromete a possibilidade de realizarmos um projeto de nação soberano.
A universidade brasileira clama por uma reforma que a reafirme como instituição social livre da pressão dos valores de mercado, promovendo a recuperação de sua infra-estrutura e valorização do trabalho docente e técnico-administrativo. A reforma deve afirmar a educação como direito de todos, garantindo a ampliação de vagas públicas e assegurando a permanência dos que ingressam na universidade com políticas de assistência estudantil.
No entanto, uma reforma assim não será possível sem o aumento expressivo do investimento estatal na educação pública. Somente a inversão de prioridades no orçamento e a mudança da atual política econômica poderão garantir os interesses da maioria do povo brasileiro. Não é possível seguirmos com uma política de ajuste fiscal que condena a educação pública à inanição para atender às exigências dos organismos financeiros internacionais.
O compromisso de um governo com seu povo se mede pela valorização e ampliação dos direitos sociais e dos investimentos públicos. Até aqui, o governo Lula está aquém, e muito, das expectativas que suscitou. Se nessa reforma da Universidade prevalecerem, outra vez, os valores do mercado e a subordinação à ditadura dos ajustes fiscais, estaremos dando um passo, irremediável talvez, na vitória do medo sobre a esperança.
Número de vagas para Graduação oferecidas nas instituições de ensino superior brasileiras
Ano | Total | Pública | % | Privada | % |
1994 | 574.135 | 177.453 | 30,9 | 396.682 | 69,1 |
1998 | 803.919 | 214.241 | 26,6 | 589.678 | 73,4 |
2002 | 1.773.087 | 295.354 | 16,7 | 1.477.733 | 83,3 |
Fonte: MEC/INEP/DAES
Em 8 anos, foram criadas 117.901 novas vagas em instituições públicas, um crescimento de 66%. Já nas instituições privadas, o aumento foi de 1.081.051, ou 272%, no mesmo período.
*Vinicius Wu é diretor de relações internacionais da União Nacional dos Estudantes
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