UMA CONJUNTURA DE CRISE: SAÍDA PELA ESQUERDA
Introdução
1. Realizamos esta 2ª Conferência Extraordinária de 2005 em meio a uma conjuntura de profunda crise do governo Lula, do PT, e do movimento democrático e popular que os projetou. As denúncias de corrupção, e as confissões de financiamento ilegal de campanhas por importantes dirigentes políticos do PT bateram duramente no partido e no governo Lula. O andamento das investigações pela CPMI dos correios tem revelado fatos, do inteiro desconhecimento da militância, que só têm aprofundado a crise interna do PT, a confusão na sua base social e o aprofundamento dos impasses já existentes na esquerda socialista brasileira, que se iniciaram com as contradições do governo Lula, em particular por causa da sua política macro-econômica.
2. Parte importante desta crise foi antecipada pela inflexão programática do campo majoritário do PT, no sentido do centro, e do sistema de direção por ele implantado, autoritário e fracionista, que alterou substancialmente a trajetória histórica do partido. Toda esta inflexão foi acompanhada por um processo de priorização da ação institucional do partido, em detrimento da intervenção no movimento de massas, que esvaziou a capacidade do PT dirigir sua intervenção institucional em sintonia com o movimento democrático e popular e seu acúmulo programático, num sentido estratégico de superação do modelo neoliberal. O núcleo central do campo majoritário se apropriou da condução política do governo Lula como se fosse, exclusivamente, seu e levou-o a optar por um modelo de governabilidade congressual, sustentado em setores do centro e da direita, o que limitou as potencialidades do governo e acabou por jogá-lo na situação atual.
3. Durante este período a DS experimentou um crescimento da sua militância orgânica, em sintonia com o crescimento da sua influência no movimento de massas, e na luta institucional, transformando-se em uma das mais importantes forças políticas da Bahia. Tal crescimento se manifestou significativamente no interior do PT.
4. Travamos importantes debates com o campo majoritário sobre os rumos do PT e, principalmente, sobre a política de alianças que deveríamos implementar nas disputas eleitorais na Bahia. Partíamos do princípio de que vivemos um período de disputa política de longa duração contra as elites oligárquicas pela hegemonia política no estado. Marcamos nossas posições pela defesa de uma concepção estratégica em que a política de alianças eleitorais nos municípios, assim como no estado e na união, deveria ter como base um programa de governo democrático e popular legitimado socialmente, de forma a criarmos as condições favoráveis a buscarmos governabilidade sem nos tornarmos reféns das negociatas do centro e da direita. E, óbvio, cumprirmos os programas com os quais petistas se elegem, e que podem ser resumidos em duas palavras: transformação social.
5. O processo de adaptação do PT à ordem se intensificou rapidamente e a crise ética é sua parte mais podre. Diante dela as posições dos(as) militantes da DS nunca foram vacilantes, queremos apuração de todas as acusações e a punição dos culpados. Entretanto, nossa resposta à crise não se resume ao patamar da ética, ela é uma resposta política, bem mais ampla, que dialoga com sua dimensão estratégica, e o faz a partir do acúmulo da militância na luta de classes. Assim, buscamos atualizar nossas formulações políticas em relação a nossa intervenção nos movimentos sociais, nossa intervenção institucional e sua relação com nossa perspectiva estratégica, apontando saídas para a crise.
O movimento democrático e popular e as alternativas estratégicas
6. A crise política aprofundou os impasses estratégicos e táticos a serem enfrentados pelo movimento dos trabalhadores no Brasil. O sentimento de mudanças, que moveu os eleitores e eleitoras brasileiras a votar em Lula, corre o risco de ser substituído pelo sentimento de frustração, de que qualquer ação institucional é, necessariamente, corrompida. Este quadro coloca em cheque a principal conquista histórica dos trabalhadores e trabalhadoras nas últimas décadas, que construíram um partido de massas, democrático, independente dos patrões, o PT. As alternativas de saída para a crise que sustentadas em posições esquerdistas, ou num discurso supostamente ético que generaliza para o PT a responsabilidade pelos desvios éticos, negam definitivamente a experiência petista substituem a confiança depositada por amplas massas na viabilidade de um projeto capaz de dialogar com o movimento social combativo e galgar os mais altos postos institucionais, por uma simplificação da dinâmica histórica da luta de classes no Brasil e a superestimação da força dos socialistas, que aliada ao obscurecimento das importantes conquistas obtidas, representa um nivelamento por baixo de toda a importante experiência histórica que ele representa, o que é um enorme erro de avaliação.
7. O fracasso do campo majoritário enquanto direção deste amplo movimento de superação do neoliberalismo no Brasil é definitivo. Entretanto, um esfacelamento imediato do PT pavimentaria o caminho para um enorme fracionamento da esquerda e a proliferação de minúsculas organizações políticas que não se habilitariam a herdar o patrimônio de independência e luta da sua imensa base social combativa, o que seria uma derrota das classes trabalhadoras e de todos os lutadores e lutadoras sociais deste país e contribuiria para uma duradoura hegemonia liberal. Nossa alternativa estratégica de saída da crise passa pela constituição de uma nova maioria no PT com base numa atualização programática de sua trajetória democrático-popular, passa por uma nova síntese de direção que resgate sua democracia interna e preserve sua diversidade, que (re)aglutine para a luta o conjunto de movimentos sociais, forças e setores políticos combativos referenciados no PT. Nossa alternativa estratégica passa pela refundação socialista do PT.
8. A partir da constatação de que a esquerda brasileira em geral, e o PT em particular, não foram capazes de construir uma leitura de conjunto para uma reforma do Estado brasileiro, podemos entender, para além das profundas contradições do governo Lula, parte da dinâmica de adaptação da direção política do campo majoritário do PT também às praticas mais mesquinhas da política tradicional brasileira. É fato que o próprio movimento democrático popular não conseguiu gestar esta proposta alternativa de Estado, sequer possuía a unidade necessária na leitura sobre a relação entre as demandas e o “programa” dos movimentos sociais e a presença da esquerda no governo nas condições dadas da correlação de forças no Brasil. A solução encaminhada pelo campo majoritário foi a adaptação incondicional do partido, e do governo Lula, à ordem. A saída para a crise passa pela retomada da capacidade de ofensiva política do governo apresentando um programa de reformas democráticas do Estado brasileiro que o (re)equipe para as funções públicas de desenvolvimento e atendimento às demandas da maioria da população, com a redefinição do papel das agências reguladoras e o fortalecimento e criação de empresas estatais em setores estratégico; que reforme o sistema eleitoral e partidário com o voto proporcional federativo, o financiamento público, as listas com adoção da proporcionalidade qualificada no sistema de montagem interna aos partidos, o fim das coligações proporcionais e a fidelidade partidária; que incorpore no âmbito da união a democracia participativa como fundamento. E, de um conjunto de políticas de Estado como a execução do programa de reforma agrária, com destaque para a titulação das terras das comunidades remanescentes de quilombo, e a demarcação e respeito à autodeterminação dos povos indígenas; a subordinação da política econômica, e do Banco Central às políticas de governo, a progressividade no sistema tributário, o controle e taxação do capital especulativo.
9. A atual correlação de forças entre as classes sociais no Brasil aponta a necessidade do PT reconstruir sua presença nos movimento populares, que devem ser o leito fundamental da sua intervenção, para dele poder projetar a lógica que deve presidir a ocupação de postos na institucionalidade em sintonia com o acúmulo programático e organizativo alcançado pelos movimentos, se traduzindo em uma renovação da capacidade de enfrentamento político e de alteração da correlação de forças na sociedade. É a busca da retomada da elaboração do programa democrático-popular numa dinâmica de sustentação de massas.
10. Finalmente, devemos buscar a retomada da ofensiva estratégica dos movimentos das classes trabalhadoras, renovados e redefinidos pelas experiências de luta dos negros, índios, mulheres, juventude, sem terra, no sentido da construção de uma nova hegemonia política no Brasil. Para isto, devemos contribuir para que se componham numa grande frente de massas que a CMS, a CUT, a CONTAG, a UNE, todos os movimentos de luta pela terra, de combate ao racismo, os setores religiosos progressistas, a Marcha Mundial de Mulheres e outras entidades gerais, com capilaridade nos estados e municípios para a construção de um novo bloco social e político, de classes e frações de classe, grupos étnicos, de gênero, partidos, numa perspectiva antineoliberal, num processo de retomada da ofensiva política do movimento democrático e popular.
11. A militância da DS participa deste processo buscando oxigenar, atualizar e reorientar nossa intervenção no conjunto dos movimentos sociais. Apontando para elaboração de uma agenda política propositiva, e de um calendário de mobilização e lutas, imperativos para o êxito do nosso objetivo: sairmos desta conjuntura mantendo nossa capacidade de polarizar amplas massas, apresentando um projeto alternativo e disputando os rumos da sociedade brasileira.
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