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‘Seria uma tragédia o PT abandonar compromissos de origem’, diz Margarida Salomão

Reeleita no primeiro turno, a prefeita de Juiz de Fora (MG) Margarida Salomão (PT) critica a ala do partido que defende um caminho ao centro para a legenda voltar a ter maior peso político no país.

Foto: Divulgação PT

Segundo a ex-deputada federal, “seria uma tragédia o PT abandonar compromissos programáticos de origem”, disse em entrevista ao programa Bem Viver desta quarta-feira (13). 

Após o resultado das eleições municipais, o partido viu uma divergência de análise por parte de lideranças históricas da legenda. Dentro do próprio estado mineiro, na capital, houve uma disputa iniciada ainda no período de campanha entre aqueles que defendiam uma candidatura própria, que foi o caso com Rogério Correia (PT-MG), e os que apoiavam uma conciliação com o atual prefeito, que saiu reeleito, Fuad Noman (PSD). O deputado federal ficou em sexto lugar nas eleições de Belo Horizonte, com 4,37% dos votos.

Em Juiz de Fora, cidade na Zona da Mata mineira, a quarta mais populosa do estado, Salomão venceu as eleições ainda no primeiro turno, com 53,96% dos votos, derrotando quatro candidatos de direita, alguns fidelizados ao bolsonarismo.  

“O que eu acho que nós precisamos fazer é, em fidelidade a esses compromissos, começarmos a desenvolver dinâmicas políticas mais ambiciosas de diálogo com a sociedade, não apenas a sociedade organizada, porque aí a gente acaba ficando refém de uma idealização das décadas de 1980, de 1990”, explica a prefeita sobre o período que o PT ganhou expressão nacional no início da redemocratização do país, junto a ascensão dos sindicatos. 

“Você tem que conversar com os desorganizados, está posto aí a necessidade de conversar com os motoboys, com as pessoas que são, na verdade, trabalhadores de aplicativos. Se eles se reconhecem como trabalhadores, é outro problema”. 

Salomão atuou como deputada federal pelo PT entre 2013 e 2020, abrindo mão do cargo para assumir a prefeitura de Juiz de Fora, quando foi eleita pela primeira vez. 

Antes de entrar na política institucional, Salomão esteve envolvida no ambiente acadêmico, tendo quase 40 anos de vínculo com a Universidade Federal de Juiz de Fora. Ela foi reitora da instituição por dois mandatos consecutivos.  

Na entrevista, a prefeita disse que não considera deixar o cargo para disputar o governo do estado em 2026. 

Confira a entrevista na íntegra 

Como foi disputar a eleição cercada de candidaturas de direita? 

Na realidade, não foi uma disputa com um candidato bolsonarista. Enfrentei quatro candidatos muito conservadores, uma das quais era uma deputada federal, na vigência do seu mandato. 

E eles fizeram um fogo de barragem em cima de nós, porque eu era a prefeita incumbente, em processo de continuação. Então, nós fizemos um enfrentamento grande, mas eu tive, a nosso favor, um argumento que é um argumento democrático de grande relevância: a altíssima aprovação do nosso governo pela cidade. 

Nós tivemos essa espécie de blindagem por parte do eleitorado, mesmo com essa tentativa de desconstrução do nosso governo 

A senhora cogita se lançar ao governo do estado?

Não, absolutamente. Inclusive, isso é um compromisso que eu assumi com a cidade de exercer o meu mandato na sua integridade, ou seja, até o dia 31 de dezembro de 2028.  

A cidade tem uma espécie de uma frustração com mandatários que buscaram saídas eleitorais no meio do mandato, no meio de um segundo mandato. Então, eu assumi o compromisso de levar até o fim o mandato. 

Como tem sido a relação com o governador, Romeu Zema (Novo)?

Olha, se eu dependesse do governo do estado, com seus recursos, para garantir o êxito das nossas políticas públicas, eu estaria na rua da amargura. Porque efetivamente o governo do estado nos ignora, ignora a Zona da Mata, e aqui não tem investimento nenhum do estado.  

Eles fazem arroz com feijão e assim mesmo de uma forma muito precária. Então o que nós efetivamente obtivemos em primeiro lugar foi a legitimação pelo trabalho e pela nossa agenda democrática.  

Como a senhora se posiciona nesse debate interno do PT sobre os rumos do partido?

O PT tem um imenso desafio pela frente, que é um desafio que só será enfrentado como um trabalho. 

A democracia, já foi dito por muitos antes de mim, é de todos os regimes o mais trabalhoso, aquele que mais requer de você paciência, humildade e disposição de construção de soluções com base social. 

Eu acho que seria uma tragédia o PT abandonar os seus compromissos programáticos de origem, isso pra mim é indisputável. Eu não quero nem colocar isso em discussão. 

O que eu acho que nós precisamos fazer é, em fidelidade a esses compromissos, começarmos a desenvolver dinâmicas políticas mais ambiciosas de diálogo com a sociedade, não apenas a sociedade organizada, porque aí a gente acaba ficando refém de uma idealização das décadas de 1980, de 1990, que são períodos de forte ascenso da luta democrática, em que você tinha sujeitos muito bem definidos: a Igreja da Teologia da Libertação, as pastorais, os sindicatos que estavam naquele momento também, no período de afirmação das suas lutas. 

Hoje eu acho que nós temos que dialogar com a sociedade organizada, sem sobra de dúvida, mas também é voz comum que você tem um esvaziamento muito grande dessas formas mais convencionais de organização da luta social. 

Eu acho que você tem que conversar com os desorganizados, está posta aí a necessidade de conversar com os motoboys, com as pessoas que são, na verdade, trabalhadores de aplicativos. Se eles se reconhecem como trabalhadores, é outro problema.  

Hoje as pequenas igrejas evangélicas são uma rede social de grande relevância. Eu estou me referindo à população negra, eu estou me referindo aos pobres, eu estou me referindo às pessoas que nós, inclusive, ambicionamos representar.  

Então não posso ignorar por algum tipo de preconceito esse diálogo, esse diálogo é fundamental. 

Nós devemos lembrar o ideal que levou a origem do PT, ao seu triunfante desenvolvimento histórico, que fez, de fato, sermos hoje o único partido de massas que há no Brasil. Os outros, inclusive esses que se dão como vencedores nessa eleição, são sopa de letrinhas.

Ao invés de nos curvarmos sobre o revés, nós [precisamos ver que] tivemos nessa eleição um dado muito impressionante, que era 81% de êxito dos candidatos que se dispuseram à reeleição.  

E grande parte desses candidatos já eram os candidatos dos partidos identificados como centrão. Então, na verdade, eu acho que o PT foi menos mal do que alguns críticos avaliam. 

Claro que nós queremos muito mais, e agora o que eu acho que nós temos diante de nós, como desafio, é nós nos reorganizarmos para fazer essa luta e consolidar a nossa aliança com os setores populares. 

Via Brasil de Fato

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