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Setembro Amarelo: Reflexões sobre saúde mental para o movimento estudantil | Pedro Henrique e João Pedro Silva

Setembro é o mês de conscientização e  prevenção ao suicídio através da campanha Setembro Amarelo, cujo lema esse ano é “Se precisar, peça ajuda!”. Segundo informação da Organização Mundial da Saúde (OMS), disponível no portal Setembroamarelo.com, o suicídio é considerado um caso de saúde pública,“ mais pessoas morrem como resultado de suicídio do que HIV, malária ou câncer de mama – ou guerras e homicídios”. Torna-se, então, de extrema importância discutirmos sobre tal temática.

É comum que, ao falarmos sobre prevenção de suicídio, listemos algumas frases que são mitos, por exemplo, “Quem quer se matar não avisa, só se mata”, ou então, falemos sobre um conjunto de diretrizes cuja função é perceber caso alguém próximo possa estar prestes a tirar a própria vida. De fato, tais estratégias são interessantes por vários motivos. 

É sem dúvida necessário nos desfazermos de algumas pré-concepções acerca do suicida, assim como também é importante nos atermos a alguns sinais que podem nos dar a oportunidade de convidar alguém a buscar um serviço de saúde para que haja acolhimento e a consideração de outras possibilidades para além da medida de pôr fim à própria vida.

No entanto, gostaríamos  de fazer um caminho um pouco diferente nesse texto. Ao invés de traçar respostas e diretrizes, gostaríamos de nos ater a perguntas. Talvez você esteja se perguntando qual a utilidade de ler um texto que, em vez de  dar respostas e informações técnicas, te traga mais perguntas. Isso não seria um tanto contraditório?

O objetivo aqui é nos desfazermos do lugar de suposto saber e nos implicarmos nessa discussão para que possamos pensar juntos, sobretudo de forma crítica. O que de fato é prevenir o suicídio e como estamos fazendo isso? O que será que podemos estar deixando escapar quando falamos sobre prevenção do suicídio, apenas, numa lógica individualizante onde o foco é o potencial suícida? Como estamos realizando esse enfrentamento nos cenários estudantis?

Se discutirmos esse tema usando como base o ambiente universitário veremos que há um número crescente de estudantes com ideações suicidas, Vale nos atentarmos também ao número expressivo dos índices de evasão dos estudantes. Segundo o Centro de Valorização da vida (CVV) no artigo Suicídio entre universitários, o número de casos de suicidio entre estudantes universitários tem crescido a cada ano desde 2002 e o Brasil atualmente se configura em primeiro lugar na América Latina. 

Dessa forma, é importante discutirmos sobre este dado alarmante. Porém, será que, em meio a toda essa campanha e números, temos parado para pensar o quanto algumas lógicas presentes no ambiente universitário podem ser um desencadeador de constante sofrimento? Quando será que se tornou humanamente aceitável que muitos estudantes precisem fazer uso de substâncias químicas, para manter-se acordados e substituir o sono por estudos, a fim de dar conta da pressão de seus cursos? 

E o que falar de uma lógica de produtividade, que associa excelência com quantidade de trabalhos produzidos e não qualidade, gera competitividade, e nos coloca numa exaustiva e contínua produção acadêmica a fim de termos mais oportunidades seja na própria universidade ou no mercado de trabalho? Educação, conhecimento e ciência se trata então de mais um espaço de exploração e produtivismo?

Ademais, refletindo acerca deste modelo, será que todos os estudantes, incluindo pobres e trabalhadores, conseguem o realizar com facilidade ainda mais quando bolsas de assistência estudantil não são nem sequer lei em muitos Estados brasileiros? Cabe ainda ressaltar o acúmulo da Kizomba, enquanto movimento estudantil, para a aprovação do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) através do projeto de lei 1.434/1 para que seja possível democratização do acesso e permanência, desde o ensino médio até o ensino superior, tornando o PNAES lei. 

Ainda sobre o ambiente estudantil, é possível verificar nos principais artigos sobre o tema que o bullying segue sendo um dos principais motivos para o suicídio ao se tratar de  escolas. Mas, o que é exatamente isso que estamos chamando de bullying? Bom, sabemos bem que é no ambiente escolar   que vivemos  nossas primeiras experiências envolvendo racismo, LGBT+fobia, capacitismo, machismo, entre todas as opressões diante do patriarcado. 

De modo que a palavra bullying seria facilmente substituível por qualquer uma dessas categorias mencionadas. O que temos feito para pensar prevenção ao suicídio a partir disso? E se temos feito, a partir de que metodologia isso tem sido abordado? É política pública ou apenas está presente de forma isolada em algumas escolas? Se ainda não é política pública, podemos mencionar uma efetividade? Penso que são essas algumas das perguntas que precisam estar presentes.

Pensar que o cenário que deveria promover o desenvolvimento humano e coletivo de um sujeito para serviço da sociedade em diversos aspectos convoca cada vez mais para a discussão sobre o adoecimento é uma evidência da urgência no agir. Sobretudo quando as denúncias envolvem diversas formas de violência nas relação com docentes ou com as instituições.

Importante salientar também que não apontamos  aqui uma relação de causalidade (causa e efeito) onde necessariamente pessoas que vivenciam, por exemplo, situações de violência racial, irão cometer suicídio. Nem tão pouco, queremos dizer que todas os motivadores de suicídio terão como causa fatores sociais. No entanto, creio que seja válido discutirmos se é uma mera coincidência que em pesquisa de 2018 realizada pelo Ministério da saúde e da Universidade de Brasília (UnB), constata-se que  “O risco de suicídio entre jovens negros do sexo masculino entre 10 e 29 anos é 45% maior do que entre jovens brancos da mesma faixa etária”. 

O que está por trás desses números envolvendo a juventude negra? E o que falar do crescente índice de suicídio presente entre várias populações indígenas? Será que é apenas de uma campanha anual que precisa-se, ou, também, de políticas públicas que prezam pelas especificidades e defesa dos direitos que envolvem estes povos e suas terras?

O que nos fica como tarefa é pensar em como podemos construir uma campanha de prevenção ao suicídio que, como bem mencionado em nota pelo Conselho Regional de Psicologia do Paraná- CRP-PR (Acesso em 08/09/2023) , não sucumba a uma “ lógica individualizante do sofrimento, com viés moralista e/ou medicalizante, que muitas vezes responsabiliza os sujeitos por mazelas que são decorrentes de fatores estruturais, mesmo que sob a fachada do acolhimento, têm gerado intenso sofrimento a pessoas e grupos que passam ou passaram por experiências correlatas ao tema”. 

Com isso, inclui-se discutir, também, os ideais de êxito e fracasso que temos naturalizado e compartilhado numa sociedade que vive o avanço do neoliberalismo não apenas como economia mas também como filosofia. Para ontem, o que precisamos é, para além de campanhas, meios contínuos e sistematizados de pensar o ser humano em sua totalidade, isso inclui construir políticas públicas com base em segurança alimentar, moradia, lazer, trabalho e educação e um cuidado, sobretudo, pautado na lógica antimanicomial.

O cuidado a partir de uma lógica antimanicomial implica em se opor a uma instituição, o manicômio, que, ao contrário de produzir cuidado, gerou históricamente o aprisionamento, morte e tortura dos sujeitos indesejáveis ao sistema capitalista. Portanto, o cuidado que defendemos aqui é através da luta pelo fomento das Redes de Atenção Psicossocial (RAPS) e a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) público, integral, gratuito, universal e de qualidade como um todo, bem como seus princípios e diretrizes.

Dessa forma, vemos que discutir saúde mental e, principalmente, através de uma ótica não individualizante, também tem a ver com o quanto nós, enquanto  movimento estudantil, conseguiremos encontrar recursos emocionais  para seguirmos a luta. É essa sobrecarga e, consequentemente, o desgaste de sua saúde mental que frequentemente gera em grande medida uma desmobilização política do corpo discente. 

Se por um lado, este se depara com a pressão do ambiente universitário, a ausência de programas de auxílio permanência, violências institucionais e estruturais, por outro, há uma dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de conciliação com a luta por demandas que dizem a seu respeito através do movimento estudantil. 

Portanto, também cabe pontuarmos a necessidade de desburocratização do próprio movimento estudantil, tema este já muito bem discutido pelo companheiro Anderson Campos através do artigo Para atualizar a cultura política do movimento estudantil, que trata-se principalmente de mexer nas estruturas verticalizadas de poder presentes no interior dessas entidades, promovendo profundas mudanças e permitindo que haja uma atuação mais democrática, inclusive, daqueles que não dispõem de tanto tempo para tal.

Pedro Henrique Silva é Estudante de Psicologia da UERJ.

João Pedro Santos da Silva é Psicólogo, Mestre e Doutorando em Saúde Coletiva – UERJ Conselheiro Nacional de Saúde – CNS/ANPG.

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