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Terra em transe

2586113Luizianne Lins

original em www.teoriaedebate.org.br

O Brasil vive um momento muito delicado e conturbado do ponto de vista político. O que estamos presenciando não é o transcorrer normal do rio da democracia, com seus pontos e contrapontos nas diversas correntes do debate público. Não é a discussão razoável, entre esquerda e direita, em busca de saídas produtivas e engrandecedoras para nosso país. O que o Brasil vive hoje é um ataque à democracia e às conquistas sociais, que se esconde por trás da cortina de fumaça da ética seletiva e do falso moralismo.

É uma onda conservadora que extrapola o campo republicano da crítica e da diferença ideológica; é um vômito reacionário que, de modo insensato, tenta desconstruir direitos e interditar nosso processo democrático. Não por acaso, defensores da ditadura e da tortura são hoje aplaudidos nas manifestações que pedem o impeachment da presidenta Dilma. Cartilhas misóginas ensinam como estuprar estudantes em universidades. Jovens homossexuais são brutalmente assassinados. Adolescentes negros são amarrados em postes. A juventude pobre da periferia segue sendo exterminada. Cartazes pedem a volta do regime militar…

Esse momento histórico vai exigir muita maturidade de nossas instituições e de nossos principais líderes políticos, à esquerda e à direita. Do contrário, insistiremos num debate de surdos que pode nos levar a retrocessos graves em nossas conquistas democráticas. Poucas vezes se viu um ataque tão frontal a direitos sociais e direitos fundamentais previstos em nossa Constituição. Pautas medievais estão voltando à tona no Congresso Nacional, num processo de intolerância que quer anular o diferente, que não sabe conviver com nenhum tipo de alteridade.

Que país poderá nascer disso tudo? Essa é a pergunta que os verdadeiros democratas, independentemente de posição ideológica, têm de se fazer hoje. Se toda a história “oficial” do Brasil tem 500 anos, nossa democracia mal acumula um punhado de décadas. Ainda temos um sistema político muito “jovem”, um conjunto de instituições democráticas que ainda estão alcançando sua maturação, sua consolidação. Portanto, é de fundamental importância denunciarmos o projeto golpista que está em andamento, patrocinado pelas forças da direita reacionária que perderam as eleições em 2014 e se acham maiores do que a vontade popular.

A presidenta Dilma foi eleita legítima e democraticamente, em que pesem diferenças que tenhamos com seu governo, sobretudo na condução da área econômica. Ela merece todo o nosso respeito institucional. Afinal, mais da metade do povo brasileiro deu seu voto a ela. Mais da metade do nosso povo procurou, entre as opções apresentadas durante a campanha eleitoral, aquela que representava o projeto político que quer continuar gerando inclusão social e distribuição de riquezas, que quer seguir com a política de valorização do salário mínimo e com as políticas de transferência de renda.

Importante destacar que nós entendemos que o modelo conservador adotado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não sabe dialogar com a base social das forças de esquerda e vai impondo ao país um ajuste que combina corte dos gastos sociais com aumento de impostos para a classe média e baixa. É um modelo que não considera a urgência do debate sobre a contribuição do grande capital nesse processo – não trata, por exemplo, de medidas como a taxação das grandes fortunas e a revisão da dívida pública, com foco na redução progressiva e temporal das taxas de juros.

Ainda assim, repudiamos esse clima de terror midiático e instabilidade que se quer criar no país. Tudo porque as forças conservadoras, que estão alinhadas com o grande capital financeiro, com grandes petroleiras internacionais e com grandes conglomerados de mídia, mesmo perdendo mais uma vez a disputa nas urnas, tentam impor ao país um clima de assombro para gerar um “terceiro”, um “quarto” ou sei lá quantos turnos para sabotar a opção legítima da população.

Antes de 2002, as forças conservadoras e de direita, com pontuais exceções, sempre conduziram o trem da nossa história “oficial”. E foi assim que nossa história, diante da nossa pátria mãe distraída, nos versos de Chico Buarque, acabou por revelar um país que era, na verdade, um pântano de exclusão e de desigualdade. O Brasil oficial, criado sob a ação da direita conservadora, era o país de um vergonhoso apartheid social.

Entretanto, foi só a democracia brasileira começar a caminhar e a amadurecer, que um governo popular, de esquerda, foi eleito. E nossa história começou a mudar. O governo do ex-presidente Lula inverteu prioridades históricas, tirou das forças de direita o poder decisório sobre nosso futuro e chamou o povo para construir um novo projeto de país, com mais justiça social e solidariedade.

Lula ergueu pontes humanitárias e convocou novos interlocutores, dentro e fora do país, para construir um novo sentido de nação, mais generosa e igualitária. Com isso, conseguiu superar a chaga da fome e da miséria absoluta, conseguiu gerar milhões de empregos e tirar milhões de brasileiros da pobreza. O povo passou a ter um novo protagonismo, passou a ser dono de sua própria história. Essa autonomia, claro, incomodou a casa-grande, para usar o conceito de Gilberto Freyre. Nossa elite via e ainda vê nosso povo como uma atávica “senzala”, sem direito a oportunidades e autonomia. A derrota em 2002 ainda sangra no peito dos que queriam um país que se rebaixasse diante dos interesses estrangeiros, sobretudo os do grande capital financeiro internacional. De lá para cá, derrota após derrota, sem conseguir formular um projeto para o país, a direita aderiu à cartilha do ódio e da inconsequência do “quanto pior, melhor”. Sem admitir a derrota nos votos, se volta não apenas contra o governo, mas contra a própria democracia, que, afinal, permitiu que esses governos populares chegassem ao poder.

A sanha antipetista que vemos hoje nas ruas, na imprensa e nas mídias sociais é, na verdade, uma tentativa de intimidar e confundir a opinião pública. É, como eu disse anteriormente, uma onda de ataques da direita contra as principais marcas dos governos petistas: a defesa dos movimentos populares, o crescimento econômico com distribuição de riquezas, o fortalecimento do Estado na prestação de serviços públicos à população e, sobretudo, o modelo de inclusão social e de criação de oportunidades que sempre incomodou a casa-grande.

Luizianne Lins é deputada federal (PT-CE), foi prefeita de Fortaleza (2005-2012)

http://www.teoriaedebate.org.br/index.php?q=debates/para-onde-nos-leva-este-congresso&page=0%2C1#node-body-opniao

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