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Toda a ideologia contra Lula | Jonas Tarcísio Reis

Vamos debater um pouquinho como o poder da ideologia age contra Lula e tudo que ele representa ou pode capitanear socialmente no Brasil recente. Isso pode orientar um debate inadiável acerca da meritocracia enquanto ideologia central na classe média. Certa vez, Marilena Chauí disse:

“A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer, Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na esfera da produção econômica”(CHAUÍ, 2014, p. 53, Livro A Ideologia da Competência).

A ideologia gera um processo multiforme de continuação da manipulação e dominação social. O poder da ideologia está em fazer crer no prejudicial como positivo na maior parte das vezes. Em mascarar a realidade e organizar a lógica social com espírito de aceitabilidade e conformismo frente à forma como as relações sociais devem ser aceitas. Trata-se de uma fórmula organizativa que permite aos privilegiados permanecerem onde estão e extrai exemplos de sucesso do mundo subalterno elevando-os à condição de exemplos totalizadores, como se todos pudessem, em face de disputas e esforços individuais, ocupar espaços (que são limitados e restritos) de sucesso na sociedade bastando, apenas, esforço, doação e dedicação. Ou seja, todos podem, por exemplo, ser milionários como o Silvio Santos, que ascendeu socialmente por via do “trabalho” (sic) e do empreendedorismo. Mas ninguém explica como ele conseguiu acumular tanto, não se explica a quantidade de trabalhadores que foram explorados em suas empresas, a quantidade de dinheiro ganho com os seus jogos de azar e a especulação midiática da indústria de entretenimento, a superexploração das suas marcas e o uso do seu veículo midiático para a promoção de seus outros produtos. Daí, começamos a falar dos instrumentos que o sujeito dispôs para potencializar a sua vida de acumulação material.

A meritocracia é uma forma de maquiar a verdade sobre a realidade, é a crença falsa sobre como as coisas são: muitas perdem, apenas algumas ganham. A meritocracia beneficia, de fato, apenas as pessoas dotadas de privilégios. Aqueles que detêm condições materiais ideais para vencer. Portanto, ela é segregadora e está focada em princípios de uma espécie de hereditariedade do sucesso. Um sucesso que só pode ocorrer se mínimas condições são oferecidas ao sujeito para derrotar outros. Portanto, um “mal nascido” poderá até vencer, mas não vencer muito, sua trajetória de conquistas tem limites previamente definidos. Um exemplo interessante é, na classe média, o caso de muitas famílias que conseguem promover e oferecer aos seus filhos condições melhores de acumulação de conhecimento, muitas vezes, condições melhores para os filhos mais jovens em decorrência do processo de acumulação de bens que um núcleo familiar pode organizar, e isso gera o avanço de determinados sujeitos a carreiras, profissões e sucesso superiores ao alcançado pelos progenitores.

A sociedade capitalista está mergulhada na meritocracia. As classes disputam um lugar ao Sol entre si, entre os seus diferentes extratos, sem nunca conseguir tratar em profundidade do tema real da desigualdade e de suas verdadeiras condicionantes. A ideologia da meritocracia acaba dando o tom do processo social de relação e da correlação de forças entre as classes sociais mais subalternas.

Da mesma forma, considerar as condições objetivas e materiais pelas quais cada pessoa parte ou detém para “vencer” é tomado como uma tentativa de facilitação, portanto, uma prática a ser execrada, pois não permite o elogio e o incentivo ao esforço individual para “vencer”.

Por isso que a maioria dos integrantes da classe média é contra as cotas nas universidades, pois para esse estrato da sociedade a etnia ou a condição social não devem ser consideradas critérios de mérito; são também fundamentalmente contra o Bolsa Família ou qualquer política de redistribuição de renda, uma vez que pensam que ganhar dinheiro sem trabalhar, além de ser um tremendo demérito, desestimula o necessário esforço produtivo para a sociedade caminhar para frente (sic); também defendem mais prisões e penas mais pesadas para os excluídos porque se já não bastasse todo o processo de exclusão social jogar as pessoas no mundo da criminalidade, meritocracia significa pagar muito mais caro pela suposta falta de mérito; reclamam a todo momento de que pagam quantias altas de imposto, que esse imposto não pode ser apropriado pelo Governo/Estado que não produz, muito menos esse dinheiro deve ser jogado em serviços sociais para as grandes massas que nada produzem e não geram impostos. Essa mesma classe média é contra a política, contra os políticos, porque na sociedade atual o racional deve preponderar, a técnica deve prevalecer e não a política. Pedem sempre bons gestores e não políticos, gritam: “chega de política”, a todo instante, nas esquinas com panelas e patinhos amarelos. Para eles, para essa maioria, tudo é uma questão fácil de resolver, é uma questão de mérito.

Existe um ethos meritocrático que exalta a vitória individual. Exalta o esforço à exaustão de atingir as conquistas individuais, não se importando com quem fica para trás para que alguém vença. Como numa maratona, milhares são derrotados, mas aprendemos a exaltar o vencedor. Sem observar que o vencedor não vence apenas por mérito do esforço, mas por um conjunto de características, fatores e condicionantes.

A lógica inerente aos estímulos sociais converge para a legitimação da meritocracia como ideologia mais difundida e menos contestada dentro do capitalismo. O próprio sociometabolismo do capitalismo se sustenta na meritocracia. Mercados e grupos empresariais disputam o universo da clientela, se digladiam e se sucedem no conflito pelos espaços de sucesso. Na lógica macroeconômica, notamos a emergência de grandes corporações que amordaçam a capacidade da relativa autonomia das pequenas organizações econômicas e, assim, vão tomando conta do mercado de modo que no espaço tempo atual o mérito e as vantagens são organizados, privilegiando os já estabelecidos, perpetuando, portanto, o sucesso dos já bem sucedidos porque se encontram, minimamente, em condições melhores do que a maioria dos potenciais derrotados.

Porém, o próprio colapso da meritocracia também é evidente na corrida pelo sucesso, à medida que os sujeitos vão sendo vencidos, vão disputando e ocupando outros espaços, de modo que a competição e a disputa nunca cessam.
Muitas vezes é pregada, de forma velada, uma espécie de “naturalidade” das hierarquias sociais e processos de disputa, além da cultura do “merecimento” dos que estão no topo da pirâmide social, ou seja, a legitimação de que as condições de riqueza ou predisposição material econômica são naturais.

A idolatria da meritocracia deságua, muitas vezes, no reacionarismo. Este freia a própria lógica meritocrática. Principalmente, quando submete os ideais de disputa a uma compreensão estreita dos próprios princípios da competição, conferindo a determinados sujeitos o artefato da hereditariedade como salvo conduto para determinada posição ser alcançada na sociedade, ou a permanência nela, uma espécie de merecimento por pertencer a determinado grupo social. Isso por si só já derrota a fundamentação que há em torno da adoração ao sistema que prega a derrota e a conquista como processos naturais da forma organizativa da sociedade. Assim, é temerário pensar que a meritocracia ocorre de maneira pura. Ela é, em suma, um sistema complexo de defesa do privilegiamento de determinadas lógicas de organização e estabelecimento de relações sociais e econômicas. E essa ideologia está a serviço dos ricos contra Lula e tudo que ele pode representar de rupturas com a lógica excludente da sociedade brasileira.

O poder de Lula é o poder de uma liderança popular, jamais visto na história do país. A força da voz de Lula emana diretamente do povo pobre trabalhador que viu nos seus governos do PT uma ascensão social a andares mais privilegiados da sociedade, mesmo não tendo o “mérito” para tal. Por exemplo, teve a sua entrada nas universidades por conta da ampliação de vagas ou por cotas e não por “mérito”. Esse fenômeno de elevação do nível escolar para os filhos dos mais pobres gerou um processo social de estagnação da pobreza em conformidade com a ascensão dos “miseráveis” a espaços menos subalternos. Um absurdo pra classe média, principalmente:

Imagina que loucura,
A filha da empregada estudando arquitetura.
O filho do pedreiro,
Virando engenheiro.

A única solução para o golpismo, para a direita, para os entreguistas da pátria é prender Lula ou sumir com ele. Lula é o candidato que mais cresce nas pesquisas. Como conseguiu eleger a sua sucessora ex-presidenta Dilma Rousseff, também poderá – caso tenha o seu nome retirado da urna – influenciar decisivamente a escolha do novo mandatário do Brasil. As instituições que servem ao golpismo e são subalternas do capital especulativo internacional – como o TRF4, que condena sem provas – sabem disso e estão agindo contra o tempo para poder retirar o ex-presidente do páreo. A meta delas é garantir o Brasil no curso das reformas anti-povo, que roubam os direitos do trabalho e da previdência, que transferem e concentram renda a uma minoria social abastada, a uma elite apodrecida de tanto amontoar dinheiro. As grandes redes de comunicação do país, que sempre estiveram do lado dos mais ricos e hegemonizaram a construção de falsas verdades contra os trabalhadores, ludibriando o povo com suas “novelinhas das 8”, “Caldeirões”, “Latas Velhas” e “Baús da Felicidade”, marginalizando e criminalizando os movimentos sociais está agindo a todo vapor para tentar criar o fato da prisão de Lula. Reitero, a única aposta deles é prender o Lula ou, até mesmo, sumi-lo. Lula solto é Lula eleito.

Mas, mesmo preso Lula poderá ser eleito. Eles têm muito medo disso. O maior presidente da história do Brasil e o maior cabo eleitoral que esta nação já viu, está sendo perseguido enquanto liderança popular de forma nunca vista antes, pois precisam testar essa hipótese logo. Eles precisam apagar da história o “mérito” do Lula em combater – com políticas sociais – o falso mérito da meritocracia, pois o mérito do Lula criou o espírito da libertação coletiva, da insurreição popular, de outro mundo possível. Para eles, o único “mérito” que não vale, é o de Lula.

Concluímos dizendo que entender a ideologia da classe média poderá permitir melhor compreensão do por que ainda temos paneleiros indo para o “Parcão” (conhecido hoje como Patolândia Gaúcha), porque restam pessoas – poucas, mas restam – vestindo camisas verdes e amarelas, mesmo tendo já a reforma trabalhista estabelecido perdas, mesmo havendo malas e malas de dinheiro carregadas pelos “Geddéis” do Temer, mesmo existindo senadores “acolhidos” após planejar assassinatos de parentes, mesmo tendo a gasolina mais cara do mundo subdesenvolvido, mesmo tendo o Pré-Sal roubado pelos estrangeiros, mesmo amargando a pobreza aumentando, mesmo sofrendo com mais de 13 milhões de desempregados, mesmo tendo apenas R$ 14,00 de reajuste no salário mínimo, mesmo tendo a mídia divulgado a sentença de Lula antes da votação do TRF4, mesmo tendo assassinatos criminosos de lutadores sociais, no dia seguinte.

Jonas Tarcísio Reis é professor e doutorando em educação.

 

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