Por Bruno Moreno*
A Central Única dos Trabalhadores – CUT colocou em pauta novamente a contestação do sistema de unicidade sindical existente em nosso país ao realizar o Plebiscito Nacional sobre o Fim do Imposto Sindical e a Campanha pela Liberdade e Autonomia Sindical. Este debate recoloca na pauta a discussão sobre a auto-organização dos movimentos sociais e, por isso, é importante ser entendido.
A unicidade sindical implica em só se permitir a criação de uma entidade para cada categoria em uma mesma territorialidade, tendo como território mínimo o município. No caso dos sindicatos brasileiros, implica em permitir que seja criado apenas um sindicato por categoria profissional em um mesmo espaço territorial.
Unicidade – A Organização dos Trabalhadores sob a Tutela do Estado
A questão é que quem autoriza ou determina qual é o sindicato único é o Estado (atualmente ainda o Ministério do Trabalho e Emprego). Ou seja, não cabe simplesmente ao movimento e aos trabalhadores escolher qual entidade os representa. Esta tarefa passa a ter que obter a chancela do Estado. Isto por si só já justificaria a defesa da liberdade e autonomia sindical, tendo em vista que é efetivamente um limitador à auto-organização dos trabalhadores. Um grupo político com maiores relações com um governo incontestavelmente tende a ter maiores benefícios (o que já acontece na realidade).
Por outro lado, é importante entender que o contraposto da unicidade é a liberdade sindical e associativa e não a pluricidade ou pluralismo como costumam atribuir os defensores da unicidade. À unidade, que é uma opção política, se contrapõe a pluricidade, por se tratar de opção política que implica criar mais de uma entidade representativa para o mesmo grupo de trabalhadores. Tais posições políticas serão adotadas por determinados grupos ao querer que exista somente uma entidade (unidade) ou ao se avaliar que se deve criar outra entidade paralela (pluricidade). Criação esta motivada pela carência de legitimidade da já existente e diante da impossibilidade de disputar os seus rumos.
O Imposto Sindical Depende da Unicidade para Existir – O Combustível para Sindicatos Cartoriais
Para além do debate da auto-organização dos trabalhadores sem intervenção estatal, é importante frisar que a unicidade é o que possibilita a existência do tão famigerado imposto sindical. Pois só se pode criar uma contribuição sindical de caráter obrigatório (o dito imposto sindical), apenas se houver a segurança jurídica de existir somente um sindicato por categoria. Caso haja a possibilidade de mais de um sindicato existir e o trabalhador ter a opção de escolher qual o representa, a compulsoriedade perde automaticamente a sua viabilidade.
E é justamente o imposto sindical obrigatório, que só é possível com a unicidade sindical, que possibilita que existam sindicatos sem qualquer tipo de representatividade, com sedes nas casas de seus “presidentes” que vivem para enriquecer através do imposto sindical. Tal quadro de repercussão de tais sindicatos ganhou ainda um plus com a criação da Lei das Centrais Sindicais, pois (embora positiva para a organização sindical) a referida lei determinou que 10% do imposto sindical fosse destinado à central a que é filiado o sindicato “fantasma”. Ou seja, algumas centrais adotaram ou aumentaram a prática de fazer caixa através da criação de sindicatos na realidade inexistentes.
As Contradições Reais da Unicidade
a) A Manutenção no Poder de Direções sem Representatividade Junto à Categoria
A unicidade, juntamente com o imposto sindical, cria ainda um outro problema grave, que é o desincentivo à sindicalização. Como toda a categoria contribui independentemente de sua vontade ao sindicato único através do imposto sindical, os benefícios, quando existentes, advindos de acordos e convenções coletivas feitos pelo sindicato em negociação com as empresas ou sindicatos patronais atingem toda a categoria, sindicalizados ou não. Logo, o trabalhador não vê grande necessidade em se sindicalizar, pois tal ato não lhe traz (ao seu ver) novos direitos, mas tão somente encargos, já que tem que pagar uma mensalidade. As únicas vias para suprir tais demandas de sindicalização são a construção de lutas que explicitem a importância de se financiar o sindicato e/ou a oferta de serviços para poder aumentar a sindicalização. Historicamente tais medidas têm demonstrado que não são suficientes para um aumento significativo da taxa global de sindicalização no Brasil.
Ocorre que para muitas direções sindicais passa a ser interessante (e muitas vezes vital) para se manterem no poder, a baixa taxa de sindicalização. Pois, como corretamente só estão aptos a votar nas eleições sindicais os trabalhadores sindicalizados, a maior sindicalização pode trazer mudanças com maior facilidade, inclusive por dificultar o controle das empresas sobre os rumos de uma eleição.
Diante de tal quadro, chegamos ao ponto de ver muitos sindicatos atrelados aos interesses patronais denunciarem às respectivas empresas, trabalhadores que se sindicalizam com o intuito de mudar a entidade, ou simplesmente só pertençam à área de influência da oposição. E os patrões, cientes e em conluio com a direção do sindicato, demitem os referidos funcionários, possibilitando a permanência no poder do sindicato “pelego”.
Portanto, o que muitas vezes vemos nos sindicatos com menores taxas de sindicalização, são situações nas quais a enorme maioria da categoria não se sente representada pelo sindicato, mas a direção tende a se perpetuar no poder, inclusive estipulando mandatos com mais de 4 anos.
Há de se acrescentar ainda que vários estatutos de entidades são completamente antidemocráticos e concentram nas mãos da direção sindical todo o poder para organizar eleições, o que é utilizado como mais um mecanismo para se afastar a possibilidade de alternância no poder.
A liberdade sindical impede justamente que isto aconteça. Por isso a liberdade de associação deve ser plena e não só no movimento sindical. A possibilidade de se criar uma nova entidade que represente efetivamente uma categoria ou um segmento, impede que o movimento fique refém de grupos políticos sem qualquer legitimidade com a base que teoricamente representa, mas que através de práticas completamente antidemocráticas, chegando inclusive a atingir o banditismo, se mantém na direção das entidades.
Por outro lado, a liberdade sindical, para sua efetiva plenitude, deve possibilitar a organização dos trabalhadores em seu local de trabalho. Assim como a liberdade de associação deve ser plena em outras formas de organização social, com livre acesso a todos os espaços onde possa estar presente o conjunto de pessoas que se pretende organizar. Isso ocorre, por exemplo, no movimento estudantil, no qual os Centros Acadêmicos tem acesso a toda faculdade e não se limita ao seu espaço físico ou aos espaços externos.
Várias experiências do movimento estudantil demonstraram que a existência de uma entidade de representação oficial e única possibilita o maior controle por um Estado autoritário, como no caso da ditadura brasileira. Feliz foi a alternativa para combater a unicidade construída pela ditadura militar no movimento estudantil. Durante o período, foram criados vários Centros Acadêmicos e Diretórios Centrais de Estudantes – Livres que se contrapunham aos CAs e DCEs Oficiais, apoiadores da ditadura.
Recente experiência da criação da União Estadual dos Estudantes (UEE) do Rio Grande do Sul – Livre também demonstra a importância de se rejeitar a unicidade e adotar a plena liberdade de associação. Nesta experiência, o conjunto de forças políticas com real representatividade no movimento estudantil no referido estado estavam reféns das piores práticas políticas por parte da direção da UEE oficial. Tendo em vista a impossibilidade de se ter uma prática minimamente democrática nesta entidade, resolveram adotar a posição política da pluricidade e criar a UEE/RS-Livre, que atualmente goza de incontestável maior legitimidade junto aos estudantes, podendo construir políticas reais para o dia a dia dos mesmos.
b) A Unicidade Contribui para a Fragmentação Sindical
Um argumento dos defensores da unicidade sindical é que esta garantiria maior unidade dos trabalhadores ao passo que a liberdade sindical plena geraria fragmentação na base, o que interessaria ao capital.
Nada mais falso quando se analisa a realidade.
A análise da realidade não permite concluir isto, pois justamente nos países que tem maior liberdade sindical, podendo-se tranquilamente adotar a opção pela pluricidade, é onde existe o menor número de sindicatos. No entanto, aqui no Brasil, frente ao mundo de possibilidades que a unicidade e o imposto sindical oferecem, a criação de entidades sindicais de caráter ultra-específico virou moda. O que é utilizado inclusive como tática de sobrevivência, pois quando uma força política perde uma eleição sindical logo tenta desmembrar uma categoria específica do sindicato para manter algum nível de estrutura.
Isto faz com que se busque criar sindicatos como dos professores de educação física, que é um exemplo mais extremo, mas também outros que são danosos, como a criação de um sindicato específico para cada profissão da saúde ao invés de se criar um sindicato de trabalhadores na saúde.
O grande problema é que existindo sindicatos específicos (sindicato dos médicos, das enfermeiras, dos fisioterapeutas, dos agentes comunitários de saúde, etc), estas categorias não podem fazer parte de um sindicato mais amplo (como o sindicato dos trabalhadores na saúde). Ou seja, a busca por uma estrutura, que se garante através do imposto sindical, e a impossibilidade de se poder construir um sindicato mais amplo, pelo fato da unicidade priorizar o específico, impede na prática a unidade dos trabalhadores e facilita a fragmentação.
Ironicamente, defender a unicidade é ser contra a unidade sindical.
* Bruno Moreno é advogado e membro da Coordenação Estadual da DS-RJ.
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