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Unificar a agenda educacional: apontamentos e perspectivas sobre a greve nas Universidades | Ana Priscila Alves e Emanuelle Kisse

Neste último mês de março, acompanhamos a eclosão  de  greves  dos Técnico-Administrativos das Universidades Federais em nosso país. Iniciada a nível nacional em 11 de março, essa mobilização já conta com a adesão de servidores técnicos de diversas Universidades e, mais recentemente, de Institutos Federais, reivindicando o reajuste salarial, que não ocorre há anos, e, sobretudo, a reestruturação de seus planos de carreira.

Desde o final do ano passado a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores em serviços técnicos e administrativos em Educação das Instituições de Ensino Superior do Brasil, a FASUBRA, apresenta essa reestruturação da carreira como um fator de mobilização central para a categoria. Assim, os TAE’s conseguiram abrir mesa de negociação com o Governo, mas com uma proposta ainda considerada rebaixada pela categoria, de aumento de 4,5% nos anos de 2025 e 2026 somado a aumentos em seus auxílios (alimentação, transporte e creche). Neste sentido, o cenário de greves foi se consolidando.

Somado à Fasubra, o Sindicato Nacional dos servidores da educação básica, profissional e tecnológica, o SINASEFE, também aderiu à greve já no início de abril, unificando a categoria e fortalecendo a mobilização.

Na categoria de professores universitários, as seções sindicais da Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior – ANDES, vêm realizando assembleias para a construir a adesão à greve. Até à finalização deste texto, já eram quinze Associações Docentes que deflagraram greve para o dia 15 de abril, data nacional proposta pela ANDES. Nesse cenário estão Instituições como UFPR, UFC, UnB, dentre outras. Enquanto isso, nove apresentaram-se contrárias à deflagração, como a UFRJ, UFF, UNIFESP; outras nove deliberaram pelo indicativo de greve sem estabelecer data para a mobilização, nesse caso, se incluem as Associações Docentes da UFBA, UFABC e UFPB. A centralidade da pauta é o reajuste salarial também, em que é reivindicado um aumento em torno de 7%.

O cenário grevista não é uma anomalia. As universidades vivem uma crise profunda em sua estrutura, ao passo que as carreiras se encontram defasadas e sem ganho real há mais de década. Assim, a greve se apresenta mais uma vez como instrumento de organização da classe trabalhadora para defender seus direitos e interesses, o que reafirma a legitimidade das mobilizações realizadas pelas categorias. Afinal, se nos Governos Temer-Bolsonaro não havia perspectiva alguma de avanços nos direitos sociais e trabalhistas do povo brasileiro, apenas retrocessos, a retomada democrática a partir da eleição de Lula à Presidência da República abre uma oportunidade histórica para a realização de transformações estruturantes em nosso país e conquistas reais para a classe trabalhadora.

Contudo, entendemos também que a defasagem dos salários e planos de carreiras apresentada pelas categorias são problemas crônicos e históricos, aprofundados por políticas econômicas-legislativas empregadas durante os períodos golpistas e fascistas em nosso país, anteriores ao Governo Lula III, como a EC 95, que ao mudar a lógica do piso de investimento na educação por um teto de gastos, condicionou o orçamento universitário a uma permanente insuficiência perante a demanda estabelecida. Consequentemente, as carreiras universitárias também entraram num processo de precarização, e até mesmo ameaça, perante a iminência intermitente da Reforma Administrativa, que agora se encontra parada na CCJ, mas que promete colocar em xeque a estabilidade do funcionalismo público.

Somado à isso, a proposta de déficit zero ou equilíbrio fiscal primário no orçamento anual de 2024, defendida pelo Ministério da Fazenda, atrelada ao Arcabouço Fiscal representam fatores agravantes desse cenário, ao apontar para a contenção do gasto público como fundamental para o crescimento econômico, o que dificulta ainda mais os avanços nas pautas apresentadas: há cada vez menos perspectivas de recomposição das carreiras e salários dos servidores, assim como dos orçamentos universitários, ao passo que a demanda para tal se apresenta cada vez mais urgente. Ou propomos outra política econômica, ou não conseguiremos enfrentar outros problemas centrais em nosso país. Desde o início dessa proposta já apresentamos nossa contrariedade à essa medida de austeridade fiscal:

“Vale ressaltar que o programa de governo eleito, com apoio e ampla mobilização estudantil, falava abertamente na revogação do teto de gastos e na importância da tributação dos mais ricos e inserção dos mais pobres no centro do orçamento, para possibilitar uma política anticíclica, que aponte para o crescimento e soberania nacional. Entretanto, o que o projeto apresentado aponta é uma maior preocupação na contenção do gasto público, provocado pelos interesses do capital rentista, do que de fato no crescimento real da economia, tão necessário no dia a dia da população.” (Kizomba em “POR UM BRASIL SOBERANO E COM O POVO NO ORÇAMENTO: PELA RETIRADA DA SAÚDE, EDUCAÇÃO, CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INVESTIMENTOS DO ARCABOUÇO FISCAL”)

Naquele momento, nós da Kizomba e da Democracia Socialista apresentamos ao conjunto do movimento estudantil e dos movimentos sociais a importância de retirar ao menos 5 pontos do arcabouço fiscal: investimentos públicos, saúde, bolsa família, salário-mínimo e, por óbvio, a educação. A realidade atual aponta que aquela leitura estava correta, mas mais do que isso, aponta que, em momentos centrais como aquele, é tarefa fundamental dos movimentos populares trabalhar a inteligência coletiva para apresentar uma pauta comum consequente para o povo brasileiro, sem espaços para sectarismos ou recuo na agenda política.

Temos convicção de que a conjuntura grevista é um destes momentos centrais, sobretudo com a limitação orçamentária apresentada. Não haverá vitória sem pressão, mobilização e unidade na agenda política. Portanto, não há como pautar melhorias salariais e nas carreiras dos servidores públicos da educação superior sem apresentar enquanto centralidade a questão do orçamento das Universidades Federais, fazendo o enfrentamento a essas políticas econômicas. O financiamento da educação e a recomposição orçamentária para as Instituições de Ensino Superior devem ser reivindicações prioritárias nessas mobilizações das categorias universitárias, não secundárias frente às carreiras.

Para além disso, precisamos construir com centralidade e pautar do Governo Federal um projeto político para as Universidades Federais: qual o papel e função dessas Instituições em nosso país? O que queremos e pensamos sobre elas? No período da implementação das políticas como a Lei de Cotas e o REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), havia maior nitidez do projeto que estava sendo implementado nessas Instituições: o de democratização do acesso ao ensino superior e a diversificação da produção científica no Brasil. Mais de dez anos se passaram desde esse período, e o contexto atual apresenta novos desafios e perspectivas, portanto, é preciso aprofundar esse processo enquanto refletimos sobre seus limites e buscamos superá-los. Pautamos ao conjunto do Movimento Estudantil brasileiro a urgência de uma Reforma Universitária: queremos uma transformação estruturante no ensino superior brasileiro e acreditamos que os movimentos educacionais precisam refletir sobre esse processo em unidade.

Reforçamos o papel da unidade, pois ela é ainda um desafio perante o cenário posto. Em algumas universidades, a deflagração de greve tem sido aprovada em assembleias pouco mobilizadas, em outras, sequer a entrada na greve tem ido para frente. Em muitas das instituições, isso tudo tem acontecido sem o diálogo necessário e a mobilização ou escuta dos movimentos estudantis. Na história da luta pela educação no Brasil, o movimento estudantil tem exercido papel central na capacidade de formular, mobilizar e conquistar vitórias, desta vez não pode ser diferente.

Em períodos de greve, os estudantes são sempre o elo mais fraco e não podem ser secundarizados. O cenário político de uma mobilização ganhando força no seio da universidade deve ser aproveitado para mobilizarmos as bases estudantis para a defesa da educação pública brasileira e a realização dos acúmulos políticos das pautas estudantis e educacionais, mas, para que isso aconteça, é necessário que as demandas dos estudantes sejam consideradas. Vivemos hoje uma profunda evasão na graduação, com números que chegam a 60% conforme a SESU, portanto, o estado de greve não pode comprometer questões centrais para a permanência e engajamento estudantil, como a continuidade das bolsas e o funcionamento dos restaurantes e moradias universitários, que aqui defendemos que sejam considerados serviços essenciais.

Além disso, reafirmamos que o movimento grevista só ganhará a força necessária para conquistas reais a longo prazo caso seja capaz de construir uma agenda e luta comuns entre as entidades nacionais da comunidade universitária, incluindo as entidades estudantis, a partir da construção de um calendário de lutas-mobilizações comum, e que tenha enquanto enfoque a pauta da recomposição orçamentária e o debate acerca do projeto para as Universidades Brasileiras.

Nós, da Democracia Socialista e da Kizomba, nos colocamos à disposição para a construção de uma pauta comum e à altura dos desafios das universidades brasileiras! Apresentamos nossa força parlamentar, sindical e estudantil na perspectiva de construirmos unidades e vitórias sem deixarmos ninguém para trás ao longo do caminho. Neste sentido, provocamos as entidades sindicais a irem além da carreira, que é a pauta prioritário e o que está na mesa de negociação até o momento, e convocamos as entidades estudantis a não se absterem da oportunidade histórica de recompor o orçamento universitário e construir políticas públicas capazes de fazerem os estudantes entrarem e permanecerem na graduação e pós-graduação. É momento de formulação de nosso projeto educacional e mobilização nas bases!

Nossas tarefas são grandes, mas não maiores que nossos sonhos!

Ana Priscila Alves é Vice-presidenta da ANPG

Emanuelle Kisse é Diretora de Direitos Humanos da UNE

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