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Voar | Dr. Rosinha

Ao contrário do que dizem as Damares da vida, o filme Lindinhas é um protesto contra a pedofilia. Assista!

Maïmouna Doucouré é a diretora do longa-metragem francês Mignonnes, que nos Estados Unidos recebeu o título de Cuties e no Brasil, de Lindinhas.

A cineasta está sendo acusada de sexualizar e sensualizar as protagonistas do filme– meninas de cerca de 11 anos de idade – e, com isso, estimular a pedofilia.

O filme conta a história de Yasmine ou Amy, interpretada pela atriz Fathia Youssouf.

Amy é uma garota senegalesa, educada segundo a tradição e os valores culturais, morais e religiosos mulçumanos.

Sua família acabou de se mudar para um conjunto residencial novo, na periferia de Paris, onde um quarto – o maior e melhor – está reservado para a segunda mulher do pai.

Quarto este que a garota e seu irmão estão proibidos de entrar.

Este segundo casamento do pai é um choque para Amy.

Apesar de contrariada, a mãe dela aceita a situação.

Amy, em silêncio, observa o sofrimento da mãe.

Só que, sem explicações aparentes, rebela-se “contra tudo e todos” que a cercam.

A rebelião consiste em afrontar os valores muçulmanos impostos pela família e satisfazer seus desejos de liberdade.

Liberdade, de acordo com a noção de uma criança de 11 anos, cujo exemplo de liberdade, para ela, é sua vizinha Angélica, vivida pela atriz Médina El Aidi-Azouni.

Angélica é líder de um grupo de dança de pré-adolescentes, cujas maiores liberdades consistem em dançar e locomover-se ‘livre’ dentro da escola e andar livremente pelas ruas.

Amy e Angélica estudam na mesma escola.

O grupo de dança é formado por garotas semiabandonadas que estão entrando na adolescência.

Semiabandonadas no sentido de terem:

— pouca ou nenhuma atenção familiar;

— livre acesso à internet (donde tiraram os movimentos e as “acrobacias” de dança para o grupo);

— educação formal precária.

A junção desses fatores leva-as a não terem visão crítica da sociedade.

Assim, mesmo que não saibam, assimilam valores exigidos pelos machistas e preconceituosos sobre a exigência de modelo de corpo, tanto que a mais ‘encorpada’ é substituída no grupo.

Entre a exigência da sociedade machista e de consumo – onde o corpo da mulher é mais um objeto – está a prematura sensualidade/sexualidade.

Semiabandonadas ou abandonadas são incapazes de olhar além do que lhes é exigido para buscar a fama: mostrar sensualidade.

É o que veem na internet e é isso que elas fazem.

São crianças que perdem – por exigência do modelo de sociedade – a infância precocemente.

O filme não passa a ideia que as meninas têm consciência de que a dança delas – com seu gestual e movimentos –  tenha o objetivo da conquista masculina.

Simplesmente repetem o que a sociedade – online – exige para a conquista da “fama”.

No caso, sequer transparece que o objetivo é ganhar algum prêmio em dinheiro para comprar bens materiais e/ou a exposição de seus corpos.

Pelos problemas familiares que vivem e  a relação infantil entre as meninas fica explícito que o desejo delas nada mais é do que serem reconhecidas nas redes sociais online.

Para muitas crianças e adolescentes, a vida — leia-se a fama — está no reconhecimento na internet: número de visualizações e curtidas, não importando o que façam,  exponham, mesmo que seja a foto do seu órgão sexual independentemente do contexto em que foi feita.

No caso, foi feita em protesto por ter que devolver o celular.

A sensualização/sexualização presente no filme é um protesto à sociedade atual.

É um protesto contra a exigência de as meninas, em tenra idade, se tornarem mocinhas em detrimento da infãncia.

O filme, ao contrário do que afirmam as Damares da vida, é um protesto à pedofilia.

Toda a “sexualidade” ou “sensualidade” de Amy desaparece na dança final.

O gesto de Amy de parar de dançar representa o choque entre uma criança, a sensualidade da “moça” e o público: Amy para, fica estática.

O grupo e o público não percebem. Pelo menos a câmara não mostra. O foco é todo nela.

Para. Não por rebeldia. É um ato de consciência, de tomada de uma decisão.

A sequência final do filme explicita a decisão: ela é uma criança.

Pula corda, salta, ‘voa’ e sorri. É uma menininha ainda. E crianças têm o direito de colocar a imaginação para voar.

O grupo de dança foi onde ela, temporariamente, pode negar sua solidão, preenchê-la e, ao mesmo tempo, rebelar-se contra a ausência do pai e as imposições da tradição muçulmana.

Mesmo que prévia, a conquista da sua liberdade: a não obrigatoriedade de assistir ao casamento do pai com a segunda mulher dele.

Ou seja, negar o segundo casamento e a segunda mulher fez dela a criança que pode voltar a sorrir e até a “voar”.

Após concluído este texto, encontro declarações da diretora Maïmouna Doucouré, que diz:

“A produção [o filme] é um espelho da sociedade e uma reflexão sobre a percepção que meninas têm de si mesmas e de sua feminilidade em uma sociedade que tanto sexualizam mulheres, especialmente nas redes sociais”.

“Este filme tenta mostrar que nossos filhos deveriam ter tempo para serem crianças, e nós, como adultos, devemos proteger sua inocência e mantê-los inocentes o máximo possível”.

Mignnones/ Cuties/Lindinhas, títulos dados respectivamente ao filme em francês, inglês e português, somados aos cartazes de divulgação (ilustrações 1 e 2, abaixo) passam uma ideia errônea da mensagem do filme.

Propositalmente, acrescento duas outras ilustrações do mesmo filme (abaixo) para mostrar como é possível passar outra ideia que não a da sexualidade, mas, sim, a do acolhimento (ilustração 3) ou a do medo de enfrentar a repressão da sociedade (ilustração 4), escondendo-se dentro de uma máquina de lavar roupa.

Muitos têm feito críticas, inclusive textos assinados, contra o filme e a Netflix sem sequer tê-lo assistido.

Para estas pessoas, Maïmouna Doucouré tem uma mensagem:

“É um filme premiado e uma história poderosa sobre a pressão que as meninas enfrentam nas redes sociais e da sociedade em geral – e nós encorajamos qualquer pessoa que se preocupa com essas questões importantes a assistir ao filme”.

Por este filme, Maïmouna Doucouré ganhou o prêmio de melhor direção no Festival Sundance de Cinema de 2020, que acontece nos Estados Unidos desde 1978.

Ficha técnica

Filme — Mignnones

Diretora –Maïmouna Doucouré

Elenco –Fathia Youssouf, Médina El Aidi-Azouni, Esther Gohourou, Ilanah Cami-Goursolas, Myriam Hamma, Maïmouna Gueye, Mbissine Thérèse Diop, Demba Diaw e Mamadou Samaké.

Dr. Rosinha é médico pediatra, militante do PT. Pelo PT do Paraná foi deputado estadual (1991-1998) e federal (1999-2017).  De maio de 2017 a dezembro de 2019, presidiu o PT-PR. De 2015 a 2017, ocupou o cargo de Alto Representante Geral do Mercosul.

Publicação original : www.viomundo.com.br/ararapuca/dr-rosinha-ao-contrario-do-que-dizem-as-damares-da-vida-o-filme-lindinhas-e-protesto-contra-a-pedofilia-assista.html

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