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Vulnerabilidade social e o casuísmo eleitoral | José Clovis de Azevedo

Será que crianças com fome precisam de hora aula de finanças para comprar comida com os 87,50 reais recebidos bimestralmente?

Foto: Alex Rocha/PMPA

O Brasil vive hoje uma crise econômica, política, ambiental, humanitária com profundas consequências sociais.  Vale dizer com enormes sacrifícios para a maioria da população. Na sua expressão mais concreta está a destruição das políticas sociais e a priorização dos interesses do mercado, Esta obra regressiva tem autores, sujeitos políticos visíveis. Há uma linha de destruição do público em favor do privado liderada pelo governo federal e desdobrada em nosso estado pelo governo estadual e em Porto Alegre pelo governo municipal

A prefeitura municipal de Porto Alegre acaba de anunciar, através do Projeto de Lei 17/2022, aprovado no Camará Municipal em 15/07/22, um programa de bolsas para alunos de famílias cadastradas como beneficiárias dos Programas Sociais no Cadastro Único do Governo Federal. Os beneficiários serão selecionados conforme os critérios de indicadores de vulnerabilidade multidimensional do Cadastro Único, cuja aplicação será regulada por Decreto Municipal.

O projeto visa garantir a permanência, evitar a evasão, potencializar a aprendizagem e promover a equidade na Rede Municipal. Tem como referência experiência desenvolvida na cidade de Bogotá, capital da Colômbia.

A prefeitura depositará na conta de cada aluno beneficiário a importância de 1.750,00 reais, em dez parcelas de 175,00 reais, no período de fevereiro a dezembro. A retirada de 87,50 poderá ser feita bimestralmente pelo responsável pelo aluno, desde que cumpridos os critérios para receber o benefício. No final do ano letivo, o valor de 437,50 reais estará disponível ao beneficiário, desde que tenha sido aprovado, efetuado a rematrícula para o ano seguinte e preenchido os critérios de bom comportamento previsto na lei. Os 50% dos 1.750,00 reais depositados a cada ano do Ensino Fundamental só poderão ser sacados pelo próprio aluno, mas somente quando concluir o Ensino Médio.

Independente da análise dos elementos que compõem o projeto e das formas de aplicação propostas há que se registrar a necessidade de socorro ás populações que são submetidas à situação de vulnerabilidade. Hoje são trinta e três milhões de pessoas. Portanto nada mais justo que essas pessoas recebam ajuda em momentos de desespero e de fragilidades para busca dos seus meios de vida, Até aqui parece tudo muito certo, Quem seria contra auxilio permanência para crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social? Mas será que pessoas em vulnerabilidade que estão no mapa da fome poderão esperar até 12 anos para retirar metade dos valores depositados em suas contas?

Contudo é preciso registrar que o governo de vocação neoliberal de Porto Alegre não perde a oportunidade de um aceno aos empresários, aos senhores do mercado. Pois junto com as bolsas vem um projeto de ensino de educação financeira e de empreendedorismo, pois as crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social precisam compatibilizar suas mentes com a ideologia de mercado. Será que crianças com fome precisam de hora aula de finanças para comprar comida com os 87,50 reais recebidos bimestralmente?

Mas o que causa espanto é que esses projetos surgem três meses antes das eleições, O congresso nacional aprova um “estado de emergência” de “boca de urna”. Atropela a constituição, afronta à lei eleitoral em uma ação desesperada para comprar o voto dos excluídos dos serviços e direitos básicos da cidadania. O governo municipal embarca na crista da onda, Afirma sua identidade com as políticas do governo federal e estadual.

A ironia da situação é que essa população está pedindo socorro há muito tempo. O Brasil retornou ao mapa da fome antes da pandemia. No entanto os governos conservadores, neste período, aprovaram o teto de gastos, com a chamada “emenda da fome,” privilegiaram o capital financeiro e outros setores da economia, promoveram a privatização de serviços públicos, a desconstrução de políticas sociais, retirando recursos de setores básicos como a educação, saúde, habitação e de outras políticas sociais.

O que se viu neste período de pandemia por parte do governo federal, no que foi acompanhado em grande medida pelo governo municipal, de Porto Alegre, foi o negacionismo, o combate á ciência, a falta de empatia e de solidariedade, a indiferença ao sofrimento dos que perderam seus familiares, dos que foram privados da vacina no tempo certo, que perderam seus empregos e conviveram com a morte e todo tipo de carência,

Embora venham ao encontro de necessidades reais, as medidas em questão não escondem a hipocrisia de seus autores. Promovem a concentração da riqueza por atacado e distribuem migalhas no varejo, objetivando o apoio eleitoral dos que mais perderam com a desconstrução de políticas sociais que representavam uma construção histórica do estado brasileiro. As benesses oferecidas por esses projetos casuísticos não estão articulados em projeto de estado com seriedade e consequência para a garantia dos direitos aos excluídos, mas se inserem em práticas clientelísticas com efeitos de curto prazo e visam manter o poder político e os mecanismos concentradores de riqueza que geram a vulnerabilidade e o empobrecimento de grande parte da população.

 

Jose Clovis de Azevedo é Professor, pesquisador e doutor em Educação.

Via Sul21

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