As mudanças nas relações de trabalho e o movimento sindical

Thomaz Campos

As mudanças e as novas dinâmicas nas relações de trabalho têm impactado profundamente o movimento sindical, não somente no Brasil, mas também no plano internacional, trazendo uma visão diferente sobre a classe trabalhadora e desafiando as estruturas tradicionais de organização e ação sindical. Esse processo vem exigindo novas abordagens das centrais sindicais, confederações, federações e sindicatos para poder entender e se adequar a essa dinâmica contemporânea, que acirra mais a contradição entre capital e trabalho e busca enfraquecer a atividade sindical.

As transformações no mundo estão cada vez mais aceleradas e violentas. Elas expõem mais ainda a importância da luta de classes e o papel fundamental do sindicato como instrumento de luta dos trabalhadores. Porém, se não entendermos essas transformações e subestimarmos a sua força, perderemos espaço para discursos e ações cada vez mais individualizadas por parte da classe trabalhadora.  Com esta preocupação, alguns aspectos merecem maior reflexão, pela forma como impactam as estruturas do movimento sindical.

1. Descentralização e Fragmentação do Trabalho

Estamos vivenciando um aumento significativo do trabalho informal e da chamada “economia gig” (um segmento do mercado de trabalho caracterizado pela prevalência de contratos de curto prazo ou trabalhos freelances, em oposição a empregos formais e permanentes). Esta característica acaba por obstaculizar a sindicalização, pois muitos desses trabalhadores não possuem contratos formais que garantam direitos trabalhistas. E nesse universo temos alguns setores, como tecnologia, serviços e comércio, que cresceram de forma muito acelerada. Nestes, a maioria dos trabalhadores não se identificam com os sindicatos tradicionais, o que nos remete a um enorme desafio de conscientização desses trabalhadores.

2. Mudanças nas Estruturas de Trabalho

A popularização do chamado trabalho home office e dos modelos híbridos, principalmente após a Pandemia de Covid-19,  tornou muito mais difícil a mobilização e a coesão entre os trabalhadores, uma vez que eles não compartilham o mesmo espaço físico de trabalho e não possuem uma regularidade de horários. Afastando qualquer sombra de ingenuidade, estes modelos contribuem com a estratégia do grande capital de  desmobilização da classe trabalhadora,

No entanto, parece que muitos sindicatos e organizações políticas de esquerda não se deram conta da gravidade dessa estratégia. Associa-se a isso, o aumento de contratos temporários e terceirizados, bem como as jornadas intermitentes, gerando uma crescente fragmentação das relações de trabalho, dificultando a formação de uma base sindical sólida. É de fundamental importância que o movimento sindical, principalmente das categorias ligadas ao serviço público, desenvolva espaço de diálogo e conexão com esses trabalhadores, criando oportunidades de associação e participação em uma luta conjunta.

3. Transformação nas demandas da classe trabalhadora

As novas gerações de trabalhadores tem buscado cada vez mais benefícios relacionados ao bem-estar, saúde mental, e equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Não se trata mais somente de melhores condições de trabalho, salários e organização dos trabalhadores. Os sindicatos precisam se adaptar a essas novas demandas e buscar pautas que dialoguem com as aspirações dessa nova classe trabalhadora.

Outra demanda importante é a valorização da diversidade e inclusão dentro do ambiente de trabalho. É necessário que dentre as nossas pautas estejam contempladas as questões de gênero, raça e sexualidade, bem como abordem as temáticas do capacitismo e do etarismo. Isso significa expurgar das ações sindicais discursos e práticas que ainda insistem em discriminar mulheres nos postos de direção sindical. Transfobia, racismo e misoginia devem ser combatidos de forma veemente, não somente com discursos, mas com práticas e ações, de fato, afirmativas de combate a esses preconceitos.

As novas gerações – precarizadas, uberizadas, plataformizadas – sofrem brutalmente com o assédio moral e um processo cotidiano de humilhação, como categorizou recentemente Jessé de Souza. Portanto só se sentirá representada por uma direção sindical que aceite conviver com qualquer prática de assédio ou de comunicação violenta.

4. Uso de novas ferramentas digitais

Os sindicatos agora têm a oportunidade de alcançar seus membros e mobilizar a base de forma digital, usando redes sociais e plataformas online e para isso se faz necessária uma eficaz e constante comunicação nas redes sociais, campo este, que a direita e o grande capital, ganham “de lavada” de classe trabalhadora. Precisamos aprimorar mais a comunicação com as nossas bases, pois estamos perdendo a hegemonia da narrativa entre a classe trabalhadora.

É fato que as novas tecnologias permitem a organização de assembleias remotas e campanhas digitais, facilitando a participação de trabalhadores que, anteriormente, enfrentavam barreiras geográficas, porém, não devemos abrir mão das atividades presenciais, onde cada companheiro possa “olhar no olho” de cada um e com isso, fortalecer os laços e lutas de cada categoria. Até porque numa base cada vez mais difusa e esparsa, é a presença dos sindicatos nos territórios que permitirá uma conexão com os problemas e demandas reais da classe trabalhadora.

5. Aprimoramento das Estratégias de Mobilização

 Os sindicatos estão buscando maneiras de se tornarem mais inclusivos, envolvendo trabalhadores de diferentes setores e, também, buscando parcerias estratégicas com outros movimentos sociais, criando elos e campanhas que possam agregar mais trabalhadores e segmentos na luta contra o capital, bem como, se aproximando ainda mais da sociedade, através de ações dentro das comunidades. A CUT/RS tem uma excelente experiência nessa área com o projeto “CUT com a comunidade”. Outra iniciativa importante realizada por sindicatos gáuchos é a parceria com cozinhas comunitárias e pontos de cultura. Ações desta natureza permitem estabelecer a formação de coalizões com outras organizações sociais e de direitos humanos, ampliando o escopo de atuação do movimento sindical.

6. Regulação e Legislação

As cada vez mais frequentes mudanças nas leis trabalhistas, como as ocorridas no governo Temer, que flexibilizam contratos de trabalho, inibem a organização dos trabalhadores e incentivam a individualização do trabalhador, exigem que os sindicatos se adaptem e se reorganizem para continuar na luta pela defesa dos direitos e conquistas trabalhistas e sindicais em contextos cada vez mais desafiadores e desfavoráveis.

Uma outra estratégia importante e que ainda é incipiente entre o movimento sindical, é a prática de advocacy (expressão utilizada para definir quando uma pessoa ou grupo faz uma defesa e argumenta em favor de uma causa pública) para legislações que protejam os direitos dos trabalhadores em formatos de trabalho emergentes, como os trabalhadores de aplicativos, por exemplo, que tem um projeto de lei tramitando no congresso brasileiro e que você não percebe uma campanha organizada de advocacy em prol da regulamentação dessa profissão.

7. Sustentabilidade e Lutas Sociais

Existe um enorme e importante movimento mundial reconhecendo a importância da sustentabilidade não só no local de trabalho, mas também na economia em geral, que exige que os sindicatos integrem questões ambientais em suas lutas por justiça social e trabalho decente, além de erradicação de trabalhos análogos a escravidão e do assédio em locais de trabalho. Os sindicatos precisam cada vez mais se aliar a essas pautas, reconhecendo que as lutas desses movimentos são interconectadas e que são ferramentas de unificação das lutas históricas do movimento sindical, com as atuais necessidades da classe trabalhadora e da sociedade como um todo.

O movimento sindical enfrenta grandes desafios em meio a estas profundas mudanças nas relações de trabalho. Se o movimento sindical quer continuar sendo relevante, precisa ter a ousadia de se reinventar, adotando novas estratégias de organização e mobilização, que reflitam as realidades contemporâneas do trabalho. O fortalecimento da solidariedade entre os trabalhadores foi, é e sempre será crucial para a sobrevivência e relevância do sindicalismo, da classe trabalhadora e, por consequência, da própria ideia de humanidade.

Thomaz Campos é Diretor do SIMTRAPLI/RS e Membro da Coordenação estadual da CSD/RS.

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