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Compra de produtos da agricultura familiar para merenda movimenta R$ 360 milhões

25/nov/2009 Merenda Escolar, creches comunit‡rias, Bras’lia, DF ©Foto de Ubirajara Machado

Da Rede Brasil Atual

A compra de produtos da agricultura familiar para serem usados na merenda escolar movimentou pelo menos R$ 360 milhões em 2012, de acordo com dados preliminares do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) publicados este mês.

Ao todo, pelo menos 80% dos municípios brasileiros adquiriram produtos da agricultura familiar para uso na alimentação escolar. Metade deles atingiu a meta prevista na Lei 11947, de 2009, que determina que pelo menos 30% do montante repassado aos municípios pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para compra de merenda seja direcionado para pequenos produtores.

“É um montante que ainda tem que crescer bastante, mas por ser uma fase inicial de implantação da lei consideramos que houve uma evolução significativa. É um volume grande de recursos que passa a circular nos municípios”, avalia o coordenador de Comercialização da Secretaria da Agricultura Familiar do MDA, Pedro Bavaresco.

Os estados que mais compram merenda da agricultura familiar são Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Paraná e Sergipe, segundo os dados do ministério. De acordo com Bavaresco, eles saem na frente devido à maior organização dos agricultores, que conseguem mais estrutura para abastecer os municípios e para pressionar as prefeituras a cumprir a lei.

Pela legislação, o FNDE repassa anualmente aos estados e municípios recursos para compra de alimentos para as escolas da rede pública de acordo com o número de matrículas, levantado pelo Censo Escolar do ano anterior. As secretarias estaduais e municipais de Educação devem utilizar pelo menos 30% desse montante em produtos da agricultura familiar, por meio de chamadas públicas, sem necessidade de licitação.

O agricultor interessado deve encaminhar um projeto de venda, comunicando o interesse em fornecer o alimento e explicitando a periodicidade e a logística. A prioridade deve ser para fornecedores do próprio município, assentados de reforma agrária, comunidades quilombolas e indígenas.

“O recurso ia do governo federal para o município, que fazia uma licitação e não necessariamente ganhava alguém da região. Antes, esse dinheiro só passava pelo município e saía. Agora, boa parte dele passa a circular no mercado local, o que e contribui para a sua dinamização”, avalia o coordenador.

“Esse recurso que os agricultores recebem será usado, por sua vez, também para compra no mercado local. Ele vai circular no município, gerando inclusive mais impostos”, continuou. “Além do que, esses produtos tendem a ser mais saudáveis, por serem in natura, sem grandes processamentos e sem conservantes.”
Gargalos

Pela apuração do Ministério do Desenvolvimento Agrário, alguns entraves impediram que o fornecimento dos pequenos produtores fosse ainda maior. A seca que castigou a região Nordeste foi um deles, que “reduziu muito a oferta de produtos”, segundo Bavaresco. “Houve também mudança de gestores municipais em 2013 e supomos que isso influencie, pois a operacionalização fica prejudicada até eles tomarem pé da situação.”

A principal dificuldade, porém, é jurídica. Em muitos municípios, os responsáveis pela aquisição dos alimentos tomam como base a Lei 8666, de 1993, que rege a compras públicas por licitações. “Apesar das duas leis terem a mesma hierarquia, alguns municípios entendem que comprar por licitação permite qualquer empresa participar. Em geral os agricultores familiares não têm know-how para esse tipo de concorrência”, explica.

A diretora do Departamento de Alimentação Escolar da prefeitura de São Paulo, Erika Fischer, concorda. “No final das contas, a interpretação jurídica tende a ser conversadora e apostar mais na economicidade gerada pela lei 8666. Ela não admite que eu pague mais caro, mas a intenção da Lei 11947 é justamente permitir que eu pague mais.”

Para superar a resistência, o Ministério do Desenvolvimento Agrário decidiu, na última segunda-feira, que realizará uma série de reuniões com gestores municipais em 2014 para esclarecer a diferença entre as leis. Além disso, o órgão tem exigido que instituições contratadas para prestar assistência técnica nos municípios orientem os gestores sobre como implantar a lei.

“Temos ainda um trabalho mais especifico com cooperativas, que iniciamos neste ano. Acompanhamos 400 organizações em 13 estados para qualificá-las a atender todas as exigências legais e sanitárias para comercializar produtos para alimentação escolar. Em 2014 serão mais dois estados”, contou Bavaresco.

O município de São Paulo segue o mesmo caminho. Em 5 de novembro foi realizada uma grande reunião com cooperativas do estado de São Paulo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Tribunal de Contas do Município e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para debater as dificuldades enfrentadas pelos agricultores.

“Nossa ideia é construir em conjunto. O tribunal tem se mostrado bastante receptivo a pelo menos a interpretar uma possibilidade diferente do que está acostumado. Há uma vontade de conversar que não havia”, conta Érika.

Os desafios da grande cidade

Depois de dois anos sem cumprir a legislação, o município de São Paulo realizou em 2013 as primeiras entregas de produtos provenientes de agricultura familiar. Ao todo, foi realizada uma compra de suco de laranja e três compras de arroz, uma delas fechada em 2012, ainda na gestão de Gilberto Kassab (PSD), e entregue neste ano.

A rede municipal de São Paulo conta com 936.432 alunos. Metade deles realiza cinco refeições na escola por dia. “Você imagina o perfil dos meus fornecedores: são grandes empresas, editais e regras complicadas e uma série de laudos para testar qualidade. Tudo é medido em toneladas, até o orégano. Comprar da agricultura familiar pressupõe que esses agricultores vão estar devidamente organizados e maduros para oferecer nesse contexto”, diz Érika.

Em 2013, o valor que deveria ser destinado para os pequenos produtores pela prefeitura de São Paulo era de R$ 27 milhões. Apenas R$ 6 milhões foram usados para esta finalidade. “Uma das dificuldades é identificar quem são os fornecedores capazes de atuar em um mercado tão complexo. A lei disse que eu tenho que privilegiar as famílias da região, os assentados da reforma agrária e quilombolas, mas praticamente não temos esse perfil na cidade São Paulo”, explica Érika.

A prefeitura iniciou então um mapeamento de cooperativas no entorno do município, com apoio de organizações não governamentais e do MDA, para identificar quais tinham estrutura para abastecer a rede. A partir daí foram realizadas as compras. A última, de 930 toneladas de arroz branco integral, foi fechada em outubro, proveniente da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados na Região de Porto Alegre (Cootap).

Ela vai beneficiar 1.400 famílias ligadas à cooperativa. Delas 522 trabalham diretamente com o cultivo de arroz orgânico. “São todos assentados da reforma agrária, com propriedade de no máximo 10 hectares. Muito pequenininhas”, conta um dos coordenadores da Cootap, Nelson Krupiski. “Foi uma da vendas mais consideráveis do período em função do volume e da estratégia de comercialização.”

A cooperativa já vende produtos para a merenda escolar para 19 prefeituras de São Paulo e mais 30 do Rio Grande do Sul. Ela tem estrutura para produção, processamento e comercialização da produção.

“Nosso principal produto é o arroz. Mas também produzimos leite e leite em pó, feijão e hortaliças. São mil famílias com hortas, comercializando com feiras, mercados e prefeituras”, diz Krupiski. “Com esse esforço coletivo, os resultados são muito positivos, principalmente se compararmos a realidade do assentamento hoje com a de dois anos atrás.”

Para 2014

No ano que vem, a prefeitura de São Paulo planeja ampliar as aquisições da cidade, tentando atingir pelo menos 15% dos 30% previstos na lei. O orçamento encaminhado pelo FNDE para compra na agricultura familiar será de pelo menos R$ 30 milhões em 2014.

Uma das estratégias para atingir a meta é uma parceria fechada com os 400 agricultores familiares da Cooperativa Agricultura Orgânica de Parelheiros (Cooperapas), para que a partir de março eles abasteçam com hortaliças nove escolas da região da Capela do Socorro.

Os agricultores vão realizar as entregas durante todo ano, duas vezes por semana, mesma periodicidade dos outros fornecedores. “Quando o grande produtor estiver entregando tomate, beterraba e banana, vai chegar também um caminhãozinho da zona sul, entregando alface, rúcula…”, planeja Érika. “É um projeto ousado. Resolvemos fechar essa parceira porque são produtos da cidade de São Paulo e porque o potencial pedagógico dessa medida é imenso. Podemos levar a criança para a horta e convidar o produtor para ir a escola.”

Outra estratégia é aumentar o portfólio de produtos paulistas na merenda, incluindo novos alimentos no cardápio. “Serão barras de doce de banana, farinha de mandioca e mandioca descascada, que são produzidas próximas a cidade. Eu já sei onde elas estão. Agora vai depender da chamada pública”, diz Érika. “Vou fazer ainda uma visita aos quilombos do Vale do Ribeira para estudar e entender o que eles estão produzindo lá, porque queremos realizar uma compra de banana no começo do ano e este é um dos produtos da região.”

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