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Contra a privatização da educação e da vida – reflexões sobre a conjuntura da educação brasileira | Nicole de Oliveira

Nesta última semana, a Kizomba esteve presente no 45º Congresso da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), a maior instância deliberativa dos estudantes secundaristas das escolas brasileiras, e ao longo dos três dias de debate, nos debruçamos acerca da conjuntura posta pelos inúmeros retrocessos e ataques à educação – resultado da onda de autoritarismo e violência perpetrada pelo governo Bolsonaro e seus aliados – e refletimos  sobre o que está em jogo com os ataques  da extrema direita aos nossos direitos.

A educação brasileira vem enfrentando desafios que colocam em xeque os avanços democráticos que o Estado de bem-estar social e a luta incessante das trabalhadoras e trabalhadores conquistaram nas últimas décadas. A conjuntura dos avanços da extrema direita sobre direitos como saúde, previdência, água e saneamento, transporte, e agora a educação, demonstra a chegada de uma nova era do neoliberalismo capitalista no Brasil. Em crise, o capital internacional agora avança para obter o controle sobre serviços que antes eram oferecidos pelo Estado enquanto garantias fundamentais, com o único objetivo de expandir o seu lucro sem riscos.

Por consequência, tudo o que antes era visto enquanto direito inegociável e de responsabilidade de providência do Estado, enquanto um método de garantia de igualdade, se torna mercadoria vendável. E assim o crescente interesse e pressão da extrema direita, que opera a serviço do capital internacional, pelas privatizações e terceirizações se torna a lei nos parlamentos brasileiros, como forma de colher lucros e avançar sobre os serviços estatais. 

Na educação, não seria diferente: a educação pública passa a ser alvo de “fundações” e “institutos” privados internacionais que se escondem atrás da filantropia para praticar lobby e desviar recursos públicos para os próprios bolsos. Mas não o fazem sem ajuda, já que a extrema direita nos parlamentos está organizada em propor projetos de lei que promovam o desmonte da educação pública e das escolas. É dessa forma que o governador do Paraná, Ratinho Júnior, e a Secretaria de Educação do Estado (SEED-PR), comandanda por Roni Miranda Vieira, vêm promovendo nos últimos anos uma campanha de desestruturação das escolas públicas nunca antes vista na história do estado, e tem pretendido levar seu rastro de destruição a todo o Brasil.

Em mais uma das sequências de ataques à educação paranaense, a Assembleia Legislativa do Paraná colocou em votação o projeto de lei batizado de “Parceiros da Escola” que prevê a privatização da gestão administrativa e financeira de 204 escolas da rede estadual. Em apenas uma semana, o projeto correu em regime de urgência, tendo sido aprovado sem nenhum tipo de consulta aos trabalhadores ou mesmo a sociedade civil. 

Mal redigido e com mais perguntas do que respostas, o projeto não menciona transparência ou prestação de contas das empresas privadas que farão o gerenciamento das escolas, não coloca critérios para a escolha dessas empresas, não protege professores e diretores de possíveis intervenções e não proíbe a cobrança de mensalidades nas escolas, abrindo um precedente histórico para tal.

Em resposta a isso, os trabalhadores em educação do Paraná entraram em greve no dia 03 de junho e mobilizaram, só na capital de Curitiba, mais de 20 mil pessoas em um ato em defesa da educação, enquanto outros 29 atos aconteceram simultaneamente em outras cidades pelo interior do estado, uma mobilização extraordinária e muito bem sucedida para um projeto propositalmente atropelado e em urgência – e, principalmente, contrariando o discurso da Secretaria de Educação e do governador de que a greve estava “flopada” e “esvaziada”. Por entre sessões suspensas e realizadas de forma online, para que os deputados da base do governo se escondessem em suas casas sem precisar confrontar os trabalhadores da educação, o projeto foi aprovado e encaminhado para sanção do governador em tempo recorde. 

A trajetória do desmonte das escolas públicas no Paraná representa o início do fim da educação pública como conhecemos hoje, tal qual pauta o projeto capitalista que deseja transformar tudo o que pode tocar em mercadoria e lucro. O primeiro passo – a instauração de regimes cívico-militares nas escolas – apenas concretizou o processo de esvaziar pedagogicamente as escolas públicas e fazer da violência a regra para estudantes pobres e, em sua grande maioria, negras e negros, os que mais dependem da escola pública. Não obstante, essa trajetória não tem se limitado a uma pauta regional, mas desperta a necessidade do movimento estudantil estar atento aos próximos passos de empresários, lobistas e militares no desmonte da educação brasileira.

Mesmo com a articulação do Governo Lula pela revogação do decreto 10.004/2019, o que garantiu o encerramento do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM) de Bolsonaro, o projeto permaneceu em andamento nos estados do país. Hoje, os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul já contam com projetos que preveem militarizar as escolas públicas da rede estadual, o que não ocorre em acaso: o ex-Secretário de Educação do Paraná e atual Secretário de Tarcísio Freitas, Renato Feder, foi o principal responsável por estabelecer o projeto de militarização nas escolas públicas paranaenses. Não apenas isso, é ex-CEO da Multilaser, que já venceu pelo menos três licitações pelo governo de São Paulo e continua parasitando a educação apenas para seu próprio ganho. 

A Secretaria de Educação do Paraná construiu uma enorme rede para pressionar a classe escolar a aceitar goela abaixo a militarização das escolas, por meio de campanhas de fake news via WhatsApp – cuja articulação é caso de denúncia sobre vazamentos de dados de pais com fins políticos –, terrorismo psicológico e assédio aos professores e diretores, e perseguição aos estudantes organizados no movimento estudantil. Agora, utilizam de propaganda e táticas de guerra para criminalizar a luta dos estudantes e trabalhadoras e trabalhadores da educação que querem livrar as escolas públicas da privatização e da militarização. 

Assistimos estudantes e professores serem violentamente atacados e bombardeados tanto no Paraná quanto em São Paulo, além de métodos nocivos que visam a criminalização do direito constitucional à greve, que culminaram no pedido a prisão da presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato), Walkiria Mazeto, a terceira mulher a presidir o sindicato na história, demonstrando também o acervo da violência política de gênero do governo do estado e a utilização da justiça para obstruir o direito à greve. Processos como esse provam o modus operandi de governos da extrema direita em usar aparatos institucionais para judicializar e criminalizar greves, como já ocorreu nas mobilizações contra a privatização do transporte público e da água e saneamento básico em São Paulo.

Frente a essa conjuntura de ataques, é urgente que o movimento estudantil se organize em uma jornada de lutas nacional para barrar os avanços da extrema direita e do capital internacional sobre a educação e a vida. O paradigma do capitalismo que hoje nos coloca para construir mobilizações e greves para barrar a perda de direitos – e não para conquistá-los -, nos orienta para a organização em torno do projeto de país que defendemos, mas principalmente para fazermos a disputa pela hegemonia e por um projeto democrático antineoliberal, de unidade e de massas. Com a vitória democrática de Lula, retomamos parte dessa tarefa, mas ainda temos muito chão a percorrer e temos que ter a coragem de fazer os enfrentamentos necessários para combater o domínio do capital financeiro. Como apresentado na resolução da 4ª Plenária da Democracia Socialista: 

“Sem um enfrentamento duro a essas questões, nada mudará nos próximos anos e futuros governos de esquerda sofrerão as mesmas chantagens. Esse enfrentamento passa necessariamente por uma politização maior da ação cotidiana de nossas organizações: partidos, sindicatos, movimentos, frentes, associações. É preciso relacionar essa realidade aos temas da democratização do estado brasileiro, do orçamento participativo, da luta por uma reforma política democratizante. E, acima de tudo, é preciso relembrar o caráter de classe da composição do Congresso, onde as elites econômicas organizam escancaradamente bancadas para defesa de seus interesses”

A tarefa revolucionária que o movimento estudantil precisa enfrentar nos próximos períodos inclui apresentar alternativas ao projeto de ojeriza à democracia e aos direitos e garantias fundamentais que o capital financeiro tem articulado internacionalmente. Realizar a defesa de uma nova cultura política nas entidades estudantis perpassa pelo enfrentamento à omissão de setores progressistas que não fazem resistência à entrada da lógica neoliberal na educação, permitindo que o capital internacional, em forma de “Lemmans” e “Miznes”, influencie a política educacional do Ministério da Educação de maneira passiva. Não podemos permitir que o orçamento da educação e nossas pautas históricas sejam vendidas para instituições privadas por conta de uma agenda anti-Estado comandada pela extrema direita!

Por uma educação onde moram os nossos sonhos, precisamos mais do que nunca mobilizar as nossas bases para desmontar das redes de comunicação criminosas do bolsonarismo e estabelecer nossos canais de comunicação populares e articulados com os movimentos sociais, pautar uma vida além do trabalho e da precarização que assola a juventude dentro e fora das escolas e universidades. Só assim, com braços firmes e olhos atentos, realizaremos a disputa de mentes e corações em torno de um projeto de país democrático, com justiça social e futuro para a juventude.

Nicole de Oliveira é militante da Kizomba Paraná e Diretora de Políticas Educacionais da União Paranaense dos Estudantes

 ¹ O deputado estadual Arilson Chiorato (PT-PR) propôs emenda para que fosse proibida a cobrança de mensalidade nas escolas que adotarem o projeto, porém, a emenda foi amplamente rejeitada pelos deputados da base governista.

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