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Coragem de Mudar: Participação Popular e Socialismo

Apresentamos companheiros, uma versão resumida da tese da Chapa Coragem de mudar: participação popular e socialismo que concorre no PED 2005

I – Crise do neoliberalismo

1. A etapa atual da luta contra o neoliberalismo permite e cobra ações internacionalistas em três campos combinados. O primeiro campo baseia-se na análise de que o período atual continua a ser marcado pelo fato dos EUA não terem capacidade para exercer sozinhos a liderança imperial como no período 45-70. Este unilateralismo provoca fissuras na ordem internacional, abrindo brechas para disputas políticas em torno à construção de uma nova agenda mundial, alternativa às dinâmicas combinadas do capital financeiro e do militarismo.

2. O segundo campo baseia-se na identificação de uma conjuntura nova na América Latina, com vitórias de forças de esquerda, ou progressistas, como sinais evidentes da crise dos projetos neoliberais. Passou-se de um período, típico dos anos noventa, em que os governos da América Latina disputavam a primazia das relações com os EUA, para outro em que o projeto Alca vive um impasse e abrem-se amplas possibilidades de avanço em relação ao projeto Mercosul ampliado para toda a América do Sul. Talvez não tenha existido nenhuma conjuntura tão propícia a avanços no conjunto da América Latina.

3. Um terceiro campo de protagonismo está na continuidade e avanço do Fórum Social Mundial, garantindo uma forte interação com as redes continentais que têm se estruturado nos últimos anos na América Latina para resistir à ALCA e construir alternativas ao “livre comércio”, para articular a luta sindical na região, para lançar campanhas contra a opressão patriarcal e em outras áreas. O cenário mais propício para potencializar a recomposição das esquerdas na nossa região são as campanhas e mobilizações continentais e nacionais contra os principais pilares da ordem neoliberal.

4. Não há automatismo entre a crise do neoliberalismo e sua superação. Iniciou-se um processo de reorganização programática das esquerdas, mas sem sínteses legitimadas. O processo dos Fóruns Sociais Mundiais; as vitórias político-eleitorais na América Latina contra forças neoliberais; a construção de redes e campanhas de mobilização continental de claro sentido antiimperialista; as fortes mobilizações sociais em diversos países em defesa da água, de serviços públicos, da economia camponesa e indígena, contra as privatizações e o crescimento da esquerda em vários processos nacionais são indicadores de uma retomada da capacidade de iniciativa política popular, mas até agora não resultaram em processos amplos de clara superação do paradigma neoliberal. O grande desafio já não é mais apenas apontar que “outro mundo é possível”, idéia síntese do período de resistência, mas também “qual outro mundo é possível”.

5. Se é necessária a compreensão da crise de legitimidade do neoliberalismo, é também imprescindível combater os riscos do pragmatismo, da conformação dos horizontes utópicos a um capitalismo pretensamente reformável, da esterilização de forças emancipatórias pela integração à ordem estatal burguesa ou de mercado. Estes riscos são centrais para partidos do socialismo que tenham chegado ao governo central de seus países, como o PT.

6. O combate à adaptação ou integração à ordem burguesa exige uma resposta histórica, tendo por base a tradição socialista revolucionária, que é o desafio de avançar na construção de uma transição democrática ao socialismo, em regime de pluralismo, de democracia participativa, de progressiva superação da lógica mercantil privatista e em relação dialética com um processo de transformação da ordem mundial dominante.
II – Em defesa do Governo Lula e do programa democrático e popular

1. A eleição de Lula significou uma vitória política de importância histórica sobre o projeto neoliberal, expressando um anseio popular por mudanças. A força social responsável por essa vitória foi o campo social baseado nas organizações dos trabalhadores. Este campo foi construído desde as lutas contra a ditadura, passando pela fundação e desenvolvimento do PT, da CUT e de um amplo movimento social urbano e rural. Entrou em choque e foi reprimido pelos governos neoliberais de FHC. É a este campo que o governo Lula é tributário.

2. Nossa vitória político eleitoral não criou por si só as condições históricas de superação do neoliberalismo. Ela abriu, no entanto, a possibilidade de um período de transição, marcado por fortes tensões e disputas políticas e sociais, em que o desafio está justamente em ir criando as condições de correlação de forças e legitimidade democrática para estabelecer um paradigma alternativo ao neoliberal.

3. Ao mesmo tempo, por uma orientação majoritária no PT – e contando com a nossa oposição e da esquerda partidária -, a vitória de Lula expressou também uma atitude conciliadora com as “forças do mercado”. Essa atitude foi, na época, uma resposta à rápida deterioração da situação econômica em 2002 – produto do fiasco da política econômica do governo FHC e da campanha de seu partido de que um governo do PT traria o “caos”. Foi uma opção política – errada – para enfrentar a crise. Havia outras opções políticas que teriam levado a medidas econômicas cujo caráter apontaria para a superação do receituário neoliberal. Entre uma e outra atitude possíveis, a diferença estava em como direcionar estrategicamente a vitória política e eleitoral. Tentar uma “governabilidade” sobre a base de uma “maioria parlamentar” construída junto com partidos do centro e da direita no Congresso Nacional – como foi a opção – ou buscar uma governabilidade baseada na mobilização social, alicerçada num processo de participação popular, no reforço dos vínculos com os movimentos sociais através da disseminação dos benefícios de programas sociais universais. Essa segunda possibilidade baseia-se nas ricas experiências de democracia participativa que desenvolvemos nas cidades e estados que governamos. Em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, nossos governos não tinham maioria parlamentar, nem fizemos dessa busca o centro da governabilidade.

4. Dois anos depois, o governo Lula expressa essa contradição fundante de forma dilacerada. A necessária afirmação da soberania nacional enfrenta reações que vêem na ALCA uma sinalização necessária para acalmar os capitais internacionais. O fortalecimento da capacidade do Estado frente ao mercado é contraditado por lógicas que buscam subordinar o país aos ditames do capital para supostamente conseguir aumentar os investimentos estrangeiros. A ampliação dos gastos públicos sociais e em investimentos é bloqueada pelos superávits primários para pagar a dívida pública que cresce porque o Banco Central aumenta os juros como sua única política anti-inflacionária.

5. O governo incorporou a Economia Popular e Solidária como política pública, criando a Secretaria Nacional de Economia Solidária. A política agrária passou a priorizar o fortalecimento da economia das comunidades de pequenos produtores e no apoio técnico, creditício e de infra-estrutura aos sem terra que vão conquistando a terra. Além disso, iniciou a reparação histórica ao negros, através da titulação das terras de quilombos. De outro lado, colocou no debate políticas sociais de igualdade de gênero; assumiu a reforma do ensino superior numa perspectiva de recuperar o seu caráter público e vinculada ao tema do desenvolvimento nacional, entre outros aspectos positivos.

6. Ao manter a gestão macro-econômica neoliberal e priorizar agendas neoliberais no primeiro ano (como a reforma fiscalista e anti-popular da Previdência), ao conter muito além do necessário e sensato os gastos sociais e a elevação do salário-mínimo, o governo criou bloqueios à dinâmica da transição, exponenciou os custos políticos da necessária conquista da governabilidade inicial e desorganizou suas bases políticos sociais.

7. Vem ocorrendo um forte reagrupamento das forças conservadoras em torno ao PSDB. A grande imprensa é seu maior palco. A escolha do presidente da Câmara de Deputados evidenciou que quem estrutura e organiza o amplo campo político conservador – que inclui inclusive alguns setores que formalmente se declaram parte da “base do apoio” do governo – são FHC e o seu partido.

8. Uma concepção alternativa de governo de caráter democrático-popular combina diversas dimensões estruturantes. Dentre elas destacamos:

a) a urgência de um novo padrão de gestão macro-econômica com: controle democrático e republicano do Banco Central e das autoridades monetárias; política agressiva de acumulação de reservas e introdução de mecanismos de controle de capitais; redução dos juros e do superavit primário; política ativa e multifocada de controle da inflação; retomada do controle público e estatal sobre os preços dos serviços de telefonia, energia elétrica, combustíveis e pedágios; combate à renúncia fiscal e à guerra fiscal e recuperação do papel do planejamento e da regulação para um crescimento harmonioso das diversas regiões do país; mudança do caráter indireto e regressivo do sistema tributário brasileiro e cumprimento da decisão do DN de 2002 de alterar o perfil da distribuição dos tributos garantindo 20% do Bolo Tributário aos municípios; auditoria e revisão dos contratos de privatização e de uso de recursos públicos para viabilizar a compra de ativos nacionais por empresas sem capacidade de compra ou de endividamento.

b) acionamento de um conjunto de políticas pró-desenvolvimento, com sustentabilidade e distribuição de renda: financiamento público para o investimento produtivo e planejado; aumento do orçamento das políticas sociais; recuperação do salário mínimo e estímulo de maiores pisos regionais nos Estados; desenvolvimento de políticas de inclusão social, preferencialmente através de oferta e geração de trabalho; ampliação dos recursos destinados à reforma a agrária e o fortalecimento da agricultura familiar e cooperativada; ampliação das políticas públicas nas áreas de infra estrutura, saneamento e habitação, com ênfase na geração de emprego; políticas de créditos, financiamento e subsídio para a formação de cooperativas de pequenos produtores rurais e de micro e pequenos empresários urbanos; ampliação da Economia Popular e Solidária.

c) democracia participativa e mobilização popular: adoção de práticas concretas de Orçamento Participativo na União e estimulá-lo nos estados e municípios, e nas instituições públicas federais como as universidades, por exemplo; adoção sistemática dos mecanismos já previstos na constituição como o plebiscito e o referendo; estímulo e fortalecimento dos conselhos setoriais em todas as esferas administrativas, visando ampliar a participação e o controle popular sobre as políticas públicas; fortalecimento, pela ampliação de seu poder de consulta e reivindicação, das entidades de representação sindicais, comunitárias, estudantis; democratização e acesso das entidades populares, sindicais e associativas aos meios de comunicação rádio e televisão, através de concessões de canais de rádio e TV a essas entidades e associações comunitárias; reforma política do sistema eleitoral-partidário que contemple o voto em lista partidária, o financiamento público das campanhas, fim das coligações proporcionais e possibilidade das federações partidárias; defesa e luta por uma proporcionalidade idêntica para todo o país na representação da cidadania.

d) política externa soberana e articulada na América Latina: enfrentar a ordem excludente e unilateral imposta pelo imperialismo dos EUA através do Consenso de Washington e da ALCA; trabalhar para o fortalecimento do bloco sul-americano a partir do Mercosul, avançando no sentido da maior integração com a moeda, parlamento e integração das condições de trabalho e previdência; aprofundar as relações estratégicas com os processos cubano, venezuelano, uruguaio e em outros países na América Latina.

9. É preciso ainda dar curso a uma agenda de reformas democráticas em conjunto com a participação ativa dos movimentos sociais. Elas correspondem a anseios de mudanças que, combinados com uma reorientação governamental, podem alterar o cenário político do país enfrentando os interesses conservadores e acumulando forças no rumo da superação do neoliberalismo.

10. A recente Marcha pela Reforma Agrária deu mais força às mudanças em curso na realidade do meio rural, com especial ênfase na garantia de recursos orçamentários, à atualização dos índices de produtividade para efeito de desapropriação de grandes propriedades em proveito da agricultura familiar e cooperada, e à recuperação da capacidade gerencial e de apoio técnico do governo.

11.  A Política Ambiental do Governo Lula, com  a criação de 3.079.396 hectares de áreas de conservação, 80% na Amazônia, sendo o governo que mais criou unidades de conservação; formulação e implantação do novo modelo de assentamento rural para a Amazônia (ASSENTAMENTOS FLORESTAIS), através do MMA e MDA. Participação popular e controle social nas políticas de meio ambiente.  Realização da I Conferência Nacional de Meio Ambiente (versão adulta e infato-juvenil). Implantação da Agenda 21, com a construção de mais de 600 foruns de agenda 21 locais nos municípios brasileiros. Implementação do Plano Nacional de Combate a Desertificação (PAN-Brasil) com a participação dos movimentos sociais que atuam no semi-árido brasileiro. Consolidação da estrutura organizacional e aprimoramento de gestão do MMA e IBAMA.

12. A criação pelo governo federal da “comissão tripartite, com representantes do poder executivo, poder legislativo e sociedade civil para discutir, elaborar e encaminhar proposta de revisão da legislação punitiva que trata da interrupção voluntária da gravidez”, respondendo às diretrizes aprovadas na Primeira Conferência Nacional de Mulheres, realizada em 2004, recoloca em outra dinâmica a questão da legalização do aborto na agenda pública.

13. A criação da Seppir (Secretaria Especial de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial), a existência de um Fundo Específico junto com a aprovação Estatuto da Igualdade Racial, para que o mesmo tenha desdobramentos concretos e seja uma política com conseqüências é a luta mais importante a ser travada no próximo período, ao lado da necessidade de garantir investimento para a titularização das Terras de Quilombos e da discussão de ações afirmativas em geral.

14. A conquista do direito de organização dos trabalhadores e trabalhadoras nos locais de trabalho é um elemento decisivo para a democratização da sociedade. Essa luta se articula com a mudança na organização sindical brasileira, herança de décadas de submissão ao Estado e ao capital. Esse é o sentido a ser dado à reforma sindical.

15. A iniciativa do governo de reformar o democraticamente o ensino superior faz parte das mudanças necessárias previstas em nosso programa. Em primeiro lugar colocando em prática aquilo que não depende de legislação. Em segundo lugar organizando uma Conferencia Nacional da Educação Superior para definir as alternativas advindas da sociedade e organizar a luta por um outro modelo de Universidade.

16. A luta para mudar os rumos do governo é o esforço ideológico, político e social para dar à transição o sentido de superação do neoliberalismo. Estas mudanças devem ser concebidas já no plano de preparação para o grande confronto com as forças liberal-conservadoras, reposicionadas para a disputa em 2006.

17. Para vencer as eleições em 2006 será preciso reafirmar o papel do PT como pólo de esquerda da sociedade brasileira, protagonista da luta pelo socialismo, pelo programa democrático e popular, pelas mudanças que nos fizeram vencer as eleições de 2002. Exigirá o resgate do patrimônio ético do Partido, com a recusa firme de todas as práticas lesivas ao erário e à moralidade públicas.

18. Exigirá a retomada do diálogo do governo com os movimentos sociais, na perspectiva do atendimento de suas mais sentidas e justas reivindicações. Exigirá, por fim, ofensividade política. E ofensividade política só é possível quando somos capazes de motivar, envolver, emocionar os milhões de brasileiros e brasileiras que viram e querem continuar vendo no PT um instrumento da mudança social.

III – Concepção de construção partidária e as perspectivas do PT

1. O compromisso com as causas populares, a resistência à década neoliberal bem como as políticas públicas levadas adiante por nossos governos credenciaram o PT como principal partido das classes trabalhadoras no Brasil. A redução dos horizontes programáticos da maioria da direção partidária e o crescimento dos fenômenos de adaptação à institucionalidade burguesa vão contra a história do partido e contra sua responsabilidade no presente de enfrentar e vencer as resistências para superar o neoliberalismo, a dependência e as profundas desigualdades na sociedade brasileira.

2. A conquista do governo federal pelo PT abriu uma nova etapa na trajetória do partido. Está em jogo a capacidade do partido de corresponder à esperança construída nas lutas e na conquista da Presidência da República, o que também significa dizer que está em jogo a capacidade de o partido corresponder ao seu próprio programa de transformação da sociedade brasileira. As opções definidas pela maioria da direção têm representado um grande desgaste do acúmulo histórico do PT. Diante disso é preciso construir alternativas à altura da história partidária e dos seus desafios presentes.

3. Ao procurar refletir sobre a experiência do governo Lula deixamos claro que pretendemos uma atualização programática, isto é, refletir sobre a prática de governo atual tomando como base a elaboração programática realizada pelo PT no seu conjunto, ou mesmo aquela que se voltou mais especificamente para a hipótese de alcançar a Presidência da República – vale dizer, as plataformas de 1994 e 2001. Defendemos nesse sentido três formulações clássicas do nosso partido: primeira, a própria idéia de programa de partido; segunda, e por decorrência, a perspectiva de transformação do país em direção ao socialismo presente nas duas plataformas citadas e muito mais clara ainda no conjunto dos encontros partidários, especialmente no V, VI e VII Encontros Nacionais; terceira, também em conseqüência das anteriores, a diferença entre governo e poder.

4. Em um partido socialista e democrático, as bases da disciplina partidária são o programa e as definições de congressos ou encontros, e a participação ampla nas deliberações. Decisões contrárias a posições longamente defendidas pelo partido, ou até a definições de encontros, e, além disso, impostas sem discussão, não têm legitimidade para fundamentar uma exigência de disciplina. Como parte da necessária batalha contra a transformação do PT em uma correia de transmissão de decisões de governo é fundamental lutar para restabelecer um processo partidário com base no programa e na democracia interna. Não pode ser considerada legítima a punição de parlamentares que votaram com base em posições longamente defendidas pelo partido, modificadas pela maioria da direção sem um debate amplo e democrático.

5. Defendemos a história e os compromissos do nosso partido. Lutamos pela revitalização da democracia interna, através dos instrumentos legítimos de participação da base na vida partidária. Combatemos a subordinação do partido ao governo e ao Estado, e defendemos a vinculação do PT à classe que lhe dá nome. Defendemos a autonomia do partido em relação aos governos, a começar do governo federal, ao qual somos solidários. Lutamos por um partido militante, presente nas lutas dos oprimidos e dos explorados.

Mudanças estatutárias do PT

O estatuto do partido deve responder a seu projeto político. Queremos que o PT volte a ser um partido militante, fundado em núcleos de base como instância organizadora para levar a cabo todas as tarefas partidárias nas mais variadas frentes de massa. Também o processo de definição de políticas e escolha de dirigentes deve privilegiar o debate político e a participação nas mesmas condições para todos os filiados e filiadas. As principais instâncias do partido devem ser seus encontros, e é neles que devem ser escolhidas as direções. No município ou zonal, o voto direto deverá ser simultâneo ao Encontro e com direito de voto e participação a todos os filiados em dia com os seus compromissos partidários – inclusive os financeiros. O Encontro Municipal ou zonal elege delegação para os Encontros Estaduais e estes para o Encontro Nacional. As direções serão eleitas nos respectivos encontros em conjunto com o debate de teses e a tomada de resoluções.

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