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Israel: O Rei Está Nu | Lúcio Costa

Recentemente, em Adis Abeba, na Etiópia, onde esteve presente para a reunião da cúpula da União Africana, o Presidente Lula declarou que “o que está acontecendo na Faixa Gaza não existe em nenhum outro momento histórico, aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”. As palavras do presidente provocaram imediata e desproporcional reação do Estado de Israel, o qual o declarou Lula persona non grata e criou uma narrativa midiática dos fatos acusando Lula de ter ofendido e atacado a comunidade judaica.

Posteriormente, ante a escalada de ações midiáticas contra o presidente Lula e o Brasil, o chanceler Mauro Vieira classificou a ação do governo Binyamin Netanyahu como “anti diplomacia” e que“suas declarações são inaceitáveis na forma e mentirosas no conteúdo”.Desta forma, corretamente o Brasil não se curvou a algarabia sionista. No entanto, cumpre indagar o que as declarações de Netanyahu e seu chanceler revelam, bem como, o que nelas reside nas sombras.

O que revela a reação do governo de Netanyahu é explicável pelo crescente isolamento atualmente sofrido por Israel, dada a repulsa que as suas ações em Gaza tem provocado na opinião pública mundial, como o demonstram as multitudinárias manifestações contra a guerra e em apoio ao povo palestino ocorridas em todos os continentes. Igualmente pelo fato de um crescente número de governos como, por exemplo, África do Sul, Bélgica, Brasil, Bolívia, Chile, Espanha, Irlanda, de formas variadas terem manifestado sua contrariedade às ações de Israel.

Assim, é possível encontrar na reação de Netanyahu uma tentativa de romper o isolamento internacional de Israel o qual não é apenas uma questão de “política”, mas igualmente econômica, pois a perda de sua legitimidade junto à opinião pública mundial fará por ampliar às campanhas pelo boicote e desinvestimento.

Anteriormente a declaração de Lula na Etiópia, o Brasil havia anunciado o apoio à denúncia da África do Sul à Corte Internacional de Justiça da ONUpara apurar a acusação de que Israel teria cometido genocídio contra o povo palestino em Gaza.  A época Israel manifestou seu descontentamento, mas o fizeram em termos que no mundo da diplomacia foram, por assim dizer, aceitáveis.

Assim cabe, perquirir as razões que ainda que nas sombras permitem compreender a mudança dessa postura para o padrão truculento com que responderam à recente declaração do presidente Lula.

A virulência inusual com que Israel contestou a declaração do presidente do Brasil reside em que, de forma inédita, o líder de uma nação do chamado “Ocidente” e, ademais com o prestígio e audiência mundial que Lula goza, “colocou o dedo na ferida” num dos pilares do sionismo posterior a 2ª Guerra Mundial: a instrumentalização da Shoa para legitimar a criação da Israel e, posteriormente, blindar as ações de seus governos.

Como os fatos tristemente o demonstram, Gaza é um gueto murado submetido ao total controle das forças militares de Israel, no qual dois milhões de pessoas que nele residem estão privados de água, alimentos e energia elétrica. Essas milhares de pessoas são submetidas diariamente a uma impiedosa e metódica ação de bombardeio e destruição de casas, edifícios, escolas, mesquitas, igrejas, hospitais, ambulâncias, agências de cooperação internacional e cemitérios. Atualmente já são 30.000 – sendo 70% mulheres – os palestinos assassinados pelas bombas e balas do exército de Israel. Assim, como os fatos o demonstram existe uma operação de limpeza étnica em realização, há um genocídio a ocorrer.

O fato de que cerca de 75% dos jornalistas mortos no mundo em 2023 terem sido mortos por tropas de Israel em Gaza revela o empenho no ocultamento do banho de sangue em curso.

Considerada a situação a que Israel submete a população de Gaza é possível e, a bem da verdade, inevitável a comparação com outras situações nas quais determinadas comunidades/grupos étnicos foram segregados e submetidos a tratamento cruel, violência e morte.

Assim, adequada analogia do genocídio hoje vivenciado pelo povo palestino com outros massacres perpetrados pelo colonialismo como, por exemplo, os 10 milhões de pessoas negras mortas entre 1885 a 1908 pelo rei Leopoldo II da Bélgica no Congo; o assassinato em 1905 pela Alemanha de 70% da nação Hereró e 50% da nação Namaqua no que hoje é a Namíbia ou o genocídio dos judeus europeus pelo regime nazista.

A declaração de Lula, marcou que todas as políticas, das quais resultem segregação, violência e morte de um determinado contingente de seres humanos em função de seu pertencimento étnico/comunitário, hão de provocar indignação e despertar energias para os interromper e punir os genocidas.

Ocorre que, despido da legitimação que a memória da Shoa lhe conferiu, Israel passará a cada vez mais ser passível de questionamento, tanto da opinião pública em geral quanto da própria comunidade judaica – a qual não há de ser confundida com sua parcela sionista. Em decorrência, ademais da já referida possibilidade de que ganhem legitimidade crescente as campanhas de boicote e desinvestimento é provável, que daqui para frente os dirigentes de deste estado e de seus órgãos de segurança passem a ser chamados a responder por seus crimes.

A declaração de Lula ao inserir o genocídio do povo palestino na história universal da infâmia foi um duro golpe no uso instrumental da Shoa por Israel e vocalizou o que cada vez mais as pessoas já percebiam: “o rei está nu” e suas mãos manchadas de sangue.

Lúcio Costa é advogado e membro da Associação de Juristas Pela Democracia – AJURD.

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