Por Tica Moreno, publicado na edição de novembro da Teoria e Debate –
No final de setembro, a publicidade sexista entrou em debate a partir da solicitação feita pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) ao Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar) para que um comercial da Hope fosse suspenso, por reforçar o estereótipo da mulher como objeto sexual. Na propaganda, Gisele Bündchen ensinava as mulheres a melhor forma de dar uma notícia ruim ao marido: apenas de lingerie. A reação ao pedido tomou grande proporção, ocupou páginas de jornais de grande circulação e páginas na internet. Em sua maioria, os argumentos reforçaram mais uma vez estereótipos sexistas, como o que afirma que as feministas não têm senso de humor ou que as críticas às propagandas partem de mulheres feias. Poucas foram, entre as questões abordadas, as que se relacionavam à reflexão sobre a mercantilização do corpo das mulheres.
Não é de hoje que a publicidade usa estereótipos e preconceitos em sua concepção. Também não é novidade o questionamento feminista a essa utilização. Podemos identificar um padrão na publicidade: reproduz o machismo de maneira explícita ou sutil. Explícita, quando a mulher retratada se confunde com o produto que se pretende vender; sutil, mas ainda óbvia, quando aparece no papel vitalício de mãe, dona de casa, paciente e sorridente, que terá seu trabalho reduzido por um produto fantástico para limpar melhor a casa.
Mas a crítica feminista à mercantilização do corpo das mulheres na publicidade e na sociedade em geral não se restringe ao questionamento da exposição permanente de corpos nem à análise de uma ou outra propaganda isolada de um debate maior.
A lógica da mercantilização atua de múltiplas formas. Constrói padrões de beleza em torno de um corpo ideal, que pode ser atingido através do consumo dos produtos certos, e assim movimenta a economia. Em 2008, a crise nem passou perto das indústrias cosmética e farmacêutica, que cresceram por volta de 8%. As mulheres compõem a maior fatia desse mercado consumidor, em uma busca incessante de moldar o corpo, a aparência e o comportamento.
Esses padrões, baseados em um modelo de feminilidade que naturaliza o lugar das mulheres e sedimenta as exigências sobre elas em função do olhar, expectativas e desejos masculinos, têm efeitos drásticos sobre o corpo e a saúde. Não por acaso, a OMS aponta transtornos alimentares como a anorexia e a bulimia entre as principais causas de morte de mulheres jovens em alguns países, como a Itália.
Para as mulheres que estão no mercado de trabalho, o sucesso profissional deve ser conciliado com a formação e manutenção de uma família feliz, na qual continuam responsáveis, se não por todo o trabalho doméstico, por grande parte dele. Este é, muitas vezes, terceirizado para outra mulher, o que faz com que o emprego doméstico seja a principal ocupação das mulheres, sobretudo negras, no Brasil atual. Ao trabalho remunerado fora de casa e às pressões para dar conta da sobrevivência e do equilíbrio da família, da educação dos filhos, do cuidado com os idosos, soma-se a necessidade de estarem sempre bonitas e com o corpo na forma estabelecida pelas capas de revistas, além de alegres e pacientes. Para isso, o mercado oferece cremes, maquiagens, medicamentos comportamentais para reduzir o apetite e controlar a ansiedade.
* Tica Moreno é militante da Democracia Socialista e integrante da coordenação nacional da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil.
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