Em 2016/17, na esteira do golpe que derrubou a companheira Dilma Rousseff e colocou a Presidência da República no colo de Michel Temer, preparando também o terreno para a chegada ao poder do fascismo capitaneado por Jair Bolsonaro, mensagens publicitárias que tomaram conta do horário nobre televisivo e das redes sociais anunciavam, em triunfo, que estava chegando “um projeto de ensino médio moderno, dinâmico, flexível e pensado para você, jovem empreendedor, que vai até mesmo poder escolher as disciplinas que quer cursar”. Seis anos depois, no pós-pandemia e com o chamado Novo Ensino Médio (NEM) já tendo chegado às salas de aula pelas mãos do bolsonarismo, os sentimentos que tocam as e os jovens estudantes são frustração e desalento, principalmente nas escolas públicas. Foram enganadas e enganados. Era tudo verniz, maquiagem marqueteira de governos que fizeram movimentar, em diferentes sentidos, a máquina e os interesses de um projeto neoliberal de destruição do país.
É importante contextualizar: aprovado de forma atropelada e autoritária, por meio de Medida Provisória, de cima para baixo, sem qualquer interlocução com a sociedade ou diálogo com os movimentos de Educação e estudantil, o projeto do NEM fez parte de uma ampla cesta de maldades imposta naquele período, juntando-se às “reformas” trabalhista (que fez explodir o desemprego e precarizou relações de trabalho) e da Previdência (que transformou a aposentadoria em direito praticamente inalcançável para a imensa maioria de trabalhadoras e trabalhadores), para citar apenas duas das tantas atrocidades. Pautado pela mesmíssima lógica – uma intencionalidade política reacionária e excludente, o NEM usava o sedutor (e por isso mesmo perigoso) discurso do “você é livre, faça você mesmo” para golpear avanços obtidos durante os governos Lula e Dilma e interromper, de forma tão acelerada quanto bruta, a ocupação das universidades públicas pelas filhas e filhos das classes trabalhadoras, com intuito de transformar novamente esses espaços em feudos privilegiados das elites. A casa grande surtou quando se deu conta de que a senzala estava conquistando diplomas, mestrados e doutorados.
A tragédia que anunciamos e denunciamos se concretizou (e foi herdada pelo terceiro governo Lula): o NEM, não por acaso celebrado pelas fundações privadas, resultou em deliberado sucateamento das escolas públicas; destruição de grades curriculares e quase extinção de disciplinas fundamentais (principalmente as Humanidades, mas também as Ciências da Natureza); oferta de itinerários formativos traduzidos em matérias como “finanças domésticas”, “empreendedorismo”, “o que rola por aí”, “RPG” e “brigadeiro caseiro”; sobrecarga exaustiva de jornada e precarização das condições de trabalho para professoras e professores, com saúde mental abalada, completamente abandonadas e abandonados e sem saber como dar conta de conteúdos sem sentido e estapafúrdios; privatização do ensino público, via “parcerias” com as fundações, plataformas de ensino e sistemas apostilados; aumento da evasão; incertezas e angústias para as e os estudantes, muitas vezes sem aulas, desmotivadas e desmotivados e se perguntando “como vou fazer o Enem? Que formação é essa?”. Já os empresários do ensino particular aproveitaram a oportunidade para implantar a “novidade” a partir de seus interesses e grifes, mantendo as grades originais e explorando ainda mais professoras e professores para oferecer, no contra turno, aulas de reforço e diferentes formatos de cursinhos pré-vestibulares, ampliando dramaticamente a distância que separa o público do privado e aprofundando as desigualdades sociais.
Ciente desse grave cenário, o presidente Lula foi eleito, com significativo apoio e votos da juventude, principalmente pobre e periférica, com o compromisso firmado em seu plano de governo e reforçado pelos documentos da transição de interromper essa perversa jornada, garantindo ao Ensino Médio outros sentidos, princípios e possibilidades. Sem rejeitar a necessidade de mudanças e com a compreensão sobre os desafios dos tempos que vivemos, nosso programa democrático e popular pretende consagrar, para esse segmento específico, a garantia de uma Educação de inspiração freiriana, crítica e emancipadora, que ensine a pensar e transformar e não a obedecer, pautada pela inclusão de todas e todos, com formação integral e capaz de dialogar cotidianamente com as Artes, as Ciências e a Cultura e também com o mundo do trabalho (ensino técnico e profissionalizante). É urgente ainda consolidar como políticas públicas a oferta de bolsas de permanência e a valorização de professoras e professores, sempre a partir de um democrático e coletivo processo de escuta e construção, a fazer das e dos estudantes também protagonistas dessa jornada (que tal, por exemplo, resgatar falas, pautas e experiências que surgiram durante o movimento de ocupação das escolas, em 2015/16)
Com a consulta à sociedade e aos movimentos (dinâmica que se encerrou no dia 05 de julho) e o processo de revisão e rediscussão a respeito do NEM conduzido pelo Ministério da Educação, a partir das mobilizações pelo “Revoga Novo Ensino Médio”, o que se coloca não é apenas um debate burocrático, mecânico e tecnicista, a expressar formalidades sobre cargas horárias ou formatos de aulas, mas uma profunda e radical disputa política, a envolver democracia, soberania nacional e um projeto de país. Nessa luta, portanto, contra o empreendedorismo privatista que amortece e individualiza, é urgente que possamos construir, juntas, juntos e juntes, um ensino médio que resgate as salas de aula como espaços do bem comum, da diversidade, do livre pensar, do formar para os Direitos Humanos e da rebeldia coletiva, garantindo à juventude, sobretudo a mais pobre e das quebradas, o direito de novamente sonhar e esperançar.
Chico Bicudo é professor, jornalista e membro do Setorial Estadual da Educação PT/SP.
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