EMIR SADER
Não ter avançado no processo de democratização dos meios de comunicação quase levou à interrupção dos governos que mais promoveram a diminuição da desigualdade.
Uma simples comparação dos governos do PT com os do PSDB – e considerando que a Dilma se propôs a dar continuidade a esses governos e o Aecio a retomar o governo do FHC – levaria a uma vitória acachapante da Dilma no primeiro turno. No entanto, a vitória foi apertada e em alguns momentos da campanha parecia desenhar-se uma vitória da oposição.
Como isso é possível? Como mais de 50 milhoes de pessoas, quase a metade dos eleitores, votaram pelo fim dos governos do PT e pelo retorno a um governo tucano?
Parecia predominar em alguns círculos do governo e da esquerda que por fazer governos que sem dúvida beneficiam a grande maioria da população, tanto esses beneficiários como os que querem um pais menos injusto, votariam pela candidata que representa a continuidade e não pela sua ruptura. E triunfaríamos no primeiro turno.
Falta a essa visão tecnocrática da realidade, a compreensão da intermediação que entre a realidade concreta e a consciência das pessoas interfere a formação da opinião pública. Poderiam ter lido Gramsci ou quaisquer outros autores mais de moda, para saber a importância que a mídia tem na formação da consciência das pessoas. Ou mesmo o Marx do XVIII Brumário, onde ele mostra como amplas camadas da população podem, pelo mecanismos de inversão que a ideologia produz na consciência das pessoas, votar contra seus próprios interesses e até mesmo erigir lideres que representam interesses opostos aos seus.
E como esses mecanismos atuam no Brasil? Além dos mecanismos clássicos da ideologia numa sociedade capitalista, que esconde o essencial – como a exploração do trabalho e a acumulação de riqueza nas mãos dos capitalistas – a ação dos meios de comunicação falseia os dados básicos da realidade e, pela reiteração cotidiana ao longo dos anos, fabrica consensos falsos.
No caso do Brasil, essa ação fabricou, entre outros, os falsos consensos de que o governo é incompetente, de que o PT é corrupto, de que a política econômica está errada, de que a Petrobrás representa um enorme problema pro Brasil. A grande rejeição fabricada contra a Dilma é uma consequência da reiteração desses e outros clichês que, reiterados e sem encontrar mecanismos similares de resposta e de desmistificação, terminaram impondo-se.
Alguns exemplos ajudam a entender o fenômeno. A votação maciça da Dilma no Nordeste se deve, centralmente às politicas sociais do governo. Aí o efeito da mídia tradicional é menor, a mudança na vida das pessoas se impõe como critério de decisão politica. Enquanto que no centro sul e no sul o efeito da mídia é maior.
Dos 51 milhões de votos de Aécio, pelo menos metade devem ter sido de camadas populares, em particular em São Paulo. Gente que muito provavelmente melhorou significativamente de vida, mas não teve a consciência das razões dessa mudança e votou contra o governo.
No essencial, Dilma triunfou pelas políticas sociais. Foi o voto popular que deu a vitória à Dilma, no essencial. A unificação aguerrida da militância de esquerda no segundo turno acabou sendo o fator que permitiu o triunfo.
O governo perdeu o debate na opinião pública. Tanto assim que a Dilma teve os piores resultados nas grandes cidades, onde a influência dos meios de comunicação é mais concentrada. Quando foi possível, nos programas eleitorais, por exemplo, demonstrar a real situação da economia do país, se desarmou um dos pilares da campanha opositora, o do terrorismo economico. Pesquisa já próxima do final da campanha revelava que a grande maioria da população – inclusive entre os que votaram Aécio – considera que a situação econômica do país é boa, tem perspectivas otimistas para o próximo ano, consideram que o desemprego vai diminuir mais ainda e a inflação está sob controle. Bastou romper minimamente o monopólio da informação, para que a opinião pública mudasse seus pontos de vista.
Em resumo, não ter avançado em nada no processo de democratização dos meios de comunicação quase levou à interrupção dos governos que mais promoveram a diminuição da desigualdade, da pobreza e da miséria no Brasil. O governo não tem mais o direito de permitir que, enquanto socialmente se democratiza a sociedade brasileira, a formação da opinião pública se submeta ainda a um processo não democrático, em que alguns fabricam e manipulam essa opinião, para atender seus interesses minoritários no país.
Se o Congresso atual e o eleito não tem como aprovar uma lei de democratização da mídia, o governo tem que encontrar os meios para colocar em prática a norma constitucional que proíbe os monopólios e os oligopólios nos meios de comunicação. Alem de que precisa fortalecer exponencialmente as mídias publicas já existentes e os meios alternativos de comunicação – as rádios, as TVs, a internet, os jornais.
Para que não se volte a correr os riscos das eleições deste ano e o Brasil possa ser também uma democracia pluralista na formação da opinião pública. Essa a primeira e principal reforma que o Brasil precisa implementar.
Artigo publicado originalmente em Carta Maior.
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