O processo de democratização das instituições de ensino no Brasil perpassa historicamente por uma série de reivindicações dos movimentos sociais e sobretudo, do movimento negro brasileiro, que, em seu princípio educativo, carregam a organicidade de uma construção democrática. Pensar sobre a radicalização desse processo é pensar sobre quem hoje ocupa os espaços educacionais em um nível de poder e a partir disso, refletirmos sobre o que significa a ocupação da classe dominante nas decisões dos rumos educacionais do país e sobre quem ocupa majoritariamente as universidades. No decorrer deste texto, buscaremos respostas para inúmeros questionamentos, sobretudo pontuando que esse movimento de radicalização é coletivo e parte da realidade.
Vivemos hoje, um cenário de construção de diagnóstico das Universidades e Institutos Federais a partir do agravamento da mercantilização de ensino no país e das inúmeras agendas neoliberais dos últimos anos, principalmente no que se refere ao controle dos grandes grupos educacionais como a Cogna, Fundação Lemann, Yqdus, entre outras que geram não só as universidades privadas, mas detém os privilégios de um Estado flexível no que diz respeito às condições orçamentárias. Mas não se resume a isso, esse diagnóstico perpassa também sobre as condições estruturais, curriculares e de permanência. Visto que é fundamental compreendermos o que faz parte dessa análise, principalmente em um cenário onde a assistência estudantil segue enquanto uma pauta latente para a manutenção do acesso e permanência dos estudantes, seja nas instituições públicas ou privadas. Mas quem hoje ocupa esses lugares? Por que é fundamental falarmos sobre a radicalização da democracia, compreendendo quem são os sujeitos que ocupam as universidades?
A ocupação dos espaços decisivos das Universidades sempre foram negados e nunca foram lugares confortáveis para a presença de jovens, negros, mulheres, pessoas com deficiência, quilombolas, lgbts e indígenas, visto que esses espaços administrativos e de poder, assim como todo espaço universitário, foram pensados para a classe dominante e que assim, desenha e reproduz a lógica de uma hegemonia burguesa. Nesse sentido, a construção desse diagnóstico do que é a Universidade hoje é fundamental para problematizarmos e refletirmos o nosso lugar, e avançarmos no rompimento das estruturas dominantes do capitalismo através da educação.
Segundo a educadora Marilena Chauí (1999), é urgente dialogarmos sobre os inúmeros espaços que a classe trabalhadora hoje ocupa e de que forma ocupa, em seu texto “Universidade Operacional”, Chauí faz algumas reflexões acerca da função da Universidade, o pretendemos quando apontamos a radicalização da democracia nesses espaços, pensar a Universidade como uma instituição pública e essencialmente pública, produtora de conhecimento, ciência, tecnologia e pesquisa.
A Universidade é um lugar também da classe popular e trabalhadora e não podemos perder essa centralidade, afinal, por muitos anos fora ocupado somente pela elite. Nesse sentido, a democratização desse espaço passa pela construção de um orçamento participativo, paridade nos conselhos superiores, garantia dos processos eleitorais democráticos, que encontra a partir da autonomia universitária, estratégias eficazes para a reconstrução da infraestrutura, permanência, reformulação curricular e inclusão. Entretanto, é fundamental pensarmos os caminhos para essa garantia que precisa reformular também as estruturas dos espaços decisivos que operam a administração, ampliando a participação e paridade de estudantes, técnicos e docentes nos Conselhos Superiores, Câmaras Estudantis e em todos os processos eleitorais universitários. O processo de ampliação da participação e a garantia da paridade de gênero e raça, protegem a autonomia e democracia dos espaços universitários, impedindo que episódios de intervenções aconteçam, como vivenciamos no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2018) em diversas universidades por todo Brasil.
A reformulação dos espaços decisivos da Universidade protege a democracia, justamente porque a garantia de escuta e participação são fundamentais para operarem as demandas universitárias, setoriais e territoriais dentro da sua ampla pluralidade. O rompimento da lógica e das estruturas capitalistas na educação são centrais para a construção de outra alternativa de sociedade, que garanta uma educação de qualidade, inclusiva, antirracista, antilgbtfóbica e livre do machismo. A transformação das Universidades precisa estar atrelada às discussões orçamentárias, por exemplo, a compreensão do orçamento, quando não passa por um debate plural e democrático, fica refém das mesmas lógicas que impulsionam a classe dominante a construírem um espaço a partir da exclusão. O nosso objetivo central, enquanto classe trabalhadora, deve ser a expansão democrática e popular do ensino superior.
Quando defendemos a partir de uma construção política e coletiva a importância da participação e da escuta ativa da sociedade, dos estudantes e de todo corpo técnico e docente, é por compreendermos a capacidade de formulação e reformulação dos espaços da Universidade, que definem o que chamamos de autonomia universitária, que assim como o orçamento, é o ponto de partida central para a radicalização de uma democracia. O compromisso deve ser cada vez mais pela ampliação de mecanismos de participação efetiva do povo enquanto protagonistas. A questão do fim da lista tríplice, por exemplo, representa para nós um compromisso na luta pela garantia da democracia universitária e da valorização da educação, uma vez que fortalecendo a comunidade acadêmica, enfatiza também os interesses e formulações dos estudantes, técnicos, docentes e todos os profissionais das Universidades.
Pensar sobre a radicalização da democracia é construir uma luta permanente e que transforme as universidades, resgatando a sua construção a partir das contribuições do povo brasileiro. A defesa do PL 2.699/2011, que conta com a contribuição da relatoria da Deputada Federal Ana Pimentel – PT/MG, que tramita no Senado para aprovação efetiva, deve ser uma prioridade, por exemplo, dessa luta pelo fim da lista tríplice, garantindo a democratização das universidades públicas. Visto que, reformular a atuação nos conselhos, propor um orçamento participativo, defender a paridade e a autonomia universitária contribuem diretamente para um processo mais radical da democracia. Entretanto, é fundamental a defesa da autonomia dos estudantes, técnicos e docentes também nas instituições privadas, pelo direito de decisão e diálogo democrático.
As políticas educacionais em torno da democratização da educação avançam em um sentido mais popular no governo Lula (2023), mas ainda requer pressão popular e defesa do projeto que elegemos nas ruas e em todos os espaços de enfrentamento à extrema-direita. O diagnóstico da situação das universidades se construirá com muita mobilização e organização da classe trabalhadora, popular e de todos os movimentos sociais que carregam com si a defesa da educação como algo central. O desafio da reconstrução das instituições públicas passa pela radicalização.
Pamela Moraes é Diretora de Políticas Educacionais da UNE.