Na última quinta-feira, dia 16 de fevereiro, depois de 10 anos, foi anunciado o reajuste das bolsas de pós-graduação e incentivo à pesquisa. Pela primeira vez na história, o anúncio foi feito pelo Presidente da República, que, assim como os estudantes ali presentes, estava visivelmente emocionado durante toda a cerimônia. Nada mais justo, afinal o dia foi mesmo histórico!
As bolsas de pós-graduação foram instituídas como política pública de incentivo à pesquisa no Brasil em 1995. Desde então, haviam sido realizados apenas quatro reajustes – todos em governos petistas. Nenhum reajuste jamais corrigiu a inflação, nem este último. Apesar de ter sido também o maior percentual histórico (40%), desde 2013, a defasagem inflacionária já ultrapassa os 75%.
Da implementação da política até aqui, muita coisa mudou, especialmente o perfil dos pesquisadores e pesquisadoras. A democratização das universidades fez com que diversos setores da sociedade tivessem, pela primeira vez, acesso à graduação, e uma parcela dessas pessoas encontrou na carreira acadêmica um caminho profissional. Assim, a pós-graduação brasileira passa também por um processo de democratização, demandando estrutura pública para garantir que estes novos sujeitos tenham condição de realizar suas pesquisas do começo ao fim.
Outra mudança central está no conteúdo das pesquisas e na forma em que os próprios pesquisadores e pesquisadoras se enxergam. Novos olhares trazem novas descobertas e reposicionam a pós-graduação brasileira no mundo acadêmico. Hoje, 90% das pesquisas produzidas no país são realizadas por pós-graduandos e pós-graduandas. Neste sentido, a pós-graduação ganha um caráter híbrido: somos estudantes em formação, mas também trabalhadores e trabalhadoras da ciência. Isso quer dizer que as bolsas não são apenas uma política pública de incentivo, elas são, sobretudo, a remuneração pelo trabalho desenvolvido por esses pesquisadores.
Compreender-se enquanto categoria contribui para uma maior organização coletiva. Nos últimos anos, os e as estudantes de pós-graduação organizados a partir da ANPG – Associação Nacional de Pós-Graduandos – têm demandado direitos fundamentais, como melhores condições para pesquisar, licença maternidade, meia passagem ou passe livre, ações afirmativas, seguridade previdenciária e a assistência estudantil (hoje o Programa Nacional de Assistência Estudantil, PNAES, abarca apenas a graduação, impedindo o acesso de pós graduandos a restaurantes e moradias universitárias). A principal demanda, no entanto, continua sendo uma remuneração justa.
É de se imaginar que, durante os 4 anos de governo Bolsonaro, todas essas pautas se distanciaram. O orçamento para a educação e para as universidades brasileiras foi absolutamente precário. Muitos pós-graduandos e professores precisaram tirar do próprio bolso para garantir o prosseguimento de pesquisas, em especial as pesquisas feitas em laboratório. O aumento exponencial da inflação agudizou a defasagem das bolsas. O acordo de dedicação exclusiva, que impede que bolsistas estabeleçam outros contratos de trabalho registrado, amplia os trabalhos precarizados e sem direitos.
Essa realidade, somada à ausência de qualquer direito trabalhista, fez com que diversas pessoas perdessem a perspectiva na carreira acadêmica. Programas de pós-graduação se depararam com vagas sobrando, em alguns casos até mesmo bolsas sobrando. E, para piorar essa situação, há ainda a obrigatoriedade de devolução do valor da bolsa caso o pesquisador precise abandonar a pós-graduação por qualquer motivo, seja ele um novo emprego, atestado médico ou maternidade. Não à toa, somos uma categoria marcada por altos índices de sofrimento mental.
Porém, pós-graduandos e pós-graduandas têm se mobilizado para reverter este cenário, com ênfase na luta pelo reajuste das bolsas, mas não só: durante as eleições de 2022, a ANPG, em conjunto com os movimentos sociais e as demais entidades do movimento estudantil, foi às ruas para garantir a eleição de Lula e desse projeto de soberania nacional, que coloca a educação como investimento prioritário.
A contrapartida tem sido verdadeira desde a transição, que convidou as entidades estudantis para a construção e já havia orientado o reajuste das bolsas em 40%, gerando uma enorme expectativa. No entanto, o que ganhamos foi um balde de água fria do desgoverno de Bolsonaro. Marcado pelo negacionismo científico, o governo anterior perseguiu os pesquisadores até o último momento: em dezembro de 2022 fomos comunicados que não haveria recurso para o pagamento das bolsas.
Nós, pós-graduandos e pós-graduandas, que já estávamos mobilizados pelo reajuste, rapidamente nos organizamos e realizamos enormes assembleias por todo Brasil, fizemos pressão, fomos às ruas e a Brasília e garantimos a reversão deste cenário. A mobilização continuou e, nos primeiros dias de governo, o ministro da educação, Camilo Santana, anunciou que ainda em janeiro aconteceria o reajuste das bolsas – o que não se concretizou.
A promessa não realizada fez com que parte dos estudantes alimentassem ânimos oposicionistas ao governo. O governo, porém, se manteve aberto. Em nova reunião com o MEC, fomos informados que o atraso era devido ao estudo que estava sendo realizado para garantir a viabilidade do reajuste de todas as bolsas, e não apenas da pós-graduação. Em reunião com outros setores, soubemos ainda que havia alguma dificuldade com a Casa Civil em garantir a celeridade do reajuste, mas que o anúncio aconteceria até meados de fevereiro.
Por um tempo, não sabíamos quando o reajuste aconteceria, nem qual percentual teria. Mas sabíamos nosso papel enquanto movimento estudantil: pressionar as instituições a partir da luta popular para garantir essa conquista. A intervenção da Kizomba na ANPG foi essencial para garantir uma linha assertiva da entidade, sem retrocessos na luta e mantendo seu papel de movimento social.
Despois de muito esperar e pressionar, o dia finalmente chegou! Apesar da calamitosa situação do país, o governo reafirmou a centralidade da educação em seu projeto e garantiu o reajuste em uma cerimônia emocionante e com ampla presença estudantil, ainda nos primeiros dias de gestão. Sem dúvidas, foi um dia de festa para toda a educação brasileira!
A despeito das limitações em relação ao percentual e à garantia de direitos, celebrar as conquistas após tantos retrocessos é essencial! O último período de desmontes nos tirou muitas coisas: a desesperança fez com que diversos jovens não apenas desistissem da vida acadêmica, como também da luta militante. Um novo governo Lula e suas conquistas representam o direito a esperançar, nos fazem lembrar que a luta coletiva não é só sobre resistir, é também sobre conquistar.
A Kizomba e a DS têm suas digitais nessa conquista. Há anos depositamos energia nas lutas da pós-graduação. Inclusive, no reajuste de 2013, a hoje deputada federal Ana Pimentel participava da gestão da ANPG e desta luta. Mais uma vez, estivemos na linha de frente dessas trincheiras, mobilizados para garantir essa conquista e as que virão.
Há muito a se avançar, e é nesse clima de luta e esperança que sonhamos com avanços políticos e com cada vez mais jovens dispostos a organizar-se coletivamente: as duas coisas andam de mãos dadas!
Que tenhamos cada vez mais braços, pernas e cabeças para disputar os rumos deste país e construir a sociedade democrática e soberana pela qual lutamos. Mais do que resistir, é hora de revidar!
Ana Priscila Alves é militante de DS-RJ e está na vice-presidência da ANPG na gestão 2022-2024.