A VII Conferência Nacional, realizada em 2003, já reconhecia a reforma agrária e a luta por um novo modelo agrícola como elementos estruturantes de um projeto nacional democrático e popular de desenvolvimento.
A experiência recente brasileira e latino-americana revaloriza a participação política e redefine o lugar das comunidades rurais tradicionais e dos camponeses na luta pelo socialismo. Da condição de aliados subordinados a sujeitos fundamentais do campo das alianças sociais estratégicas para a transformação social.
O Fórum Mundial da Reforma Agrária, realizado em dezembro de 2004 no processo do Fórum Social Mundial, expressou uma visão contemporânea e renovada de reforma agrária para a qual convergem diferentes movimentos e demandas políticas, econômicas e sociais. Para além da garantia do direito do acesso a terra, a reforma agrária sintetiza a aspiração e a luta por um novo padrão de desenvolvimento do meio rural, integrado a projetos nacionais soberanos. Universalização do acesso aos direitos fundamentais, valorização dos conhecimentos e das culturas tradicionais, garantia da segurança e da soberania alimentar, promoção da igualdade de gênero e a preservação ambiental integram-se numa agenda com capacidade de democratizar, além da terra, o poder e a renda. Combinam-se ações diretas e mobilizações sociais com a implementação de políticas públicas com capacidade de distribuir renda, ampliar a autonomia e fortalecer política e economicamente estes segmentos.
Este acontecimento reflete uma capacidade importante de articulação internacional e contribui para colocar com mais centralidade e positividade a reforma agrária na agenda política dos movimentos antiglobalização neoliberal e das disputas nacionais.
No Brasil, as conseqüência sociais, econômicas e ambientais da modernização conservadora revelam a necessidade urgente de um outro modelo agrícola e a atualidade da reforma agrária. A denúncia dos efeitos e dos limites da agricultura capitalista deve vir acompanhada pela afirmação social e econômica de uma alternativa construída a partir do melhor da experiência acumulada por homens e mulheres da agricultura familiar, das comunidades rurais tradicionais, dos povos da floresta e dos assentados da reforma agrária.
É por isso que a reforma agrária integra a plataforma de mudanças democráticas e populares e é um dos caminhos por meio dos quais podemos relacionar o objetivo socialista com o complexo processo de superação da ordem neoliberal. Sua efetiva implementação exige a combinação da mobilização social com programas e ações de governo que contenham os valores da solidariedade, da sustentabilidade, da igualdade e da justiça social.
Nestes dois anos, o Ministério do Desenvolvimento Agrário tem se orientado por tais objetivos, assentado em uma sólida aliança com os movimentos sociais e as entidades sindicais rurais, constituindo-se em um local de resistência e de conquistas para este setor do campo brasileiro.
O total de recursos destinados para agricultura familiar triplicou. De R$ 2,2 bilhões com FHC para R$ 7 bi no atual Plano Safra. A assistência técnica que havia sido desmontada e estava sob responsabilidade do Ministério da Agricultura foi reconstruída agora sob coordenação do MDA e atinge 1,6 milhões de famílias rurais. O seguro agrícola, reivindicação histórica dos movimentos, foi implantado para a agricultura familiar. Com ele, no caso de frustração da safra garante-se o pagamento do crédito e da renda esperada. Atinge hoje 1,4 milhões de famílias. O Programa do Biodiesel, após intensa disputa com setor patronal, foi constituído com benefícios fiscais exclusivos para a agricultura familiar. Algo totalmente diferente do que foi a experiência do Proalcool, que concentrou renda e terra.
O II Plano Nacional de Reforma Agrária foi discutido com os movimentos sociais e o fato de ter sido apresentado na Conferência da Terra, um momento inédito de unidade camponesa, indica o reconhecimento de que a capacidade de organização e de mobilização social desses lutadores sociais são condições fundamentais para que a reforma agrária se insira num projeto de transformação social.
Várias inovações ampliaram o alcance do II PNRA e são muitas as conquistas. As mulheres passaram a ser reconhecidas como sujeitos e importantes reivindicações dos seus movimentos foram assumidas como políticas públicas. A garantia da titulação conjunta da terra, o acesso aos documentos civis e trabalhistas, o acesso ao crédito, entre outras medidas, contribuem para a autonomia econômica das mulheres.
As comunidades quilombolas passaram a ser foco de atuação do MDA para assegurar o seu direito territorial e o etnodesenvolvimento. Os povos indígenas passaram a ser incluídos por meio do reassentamento de ocupantes não-indíos de forma a garantir o real usufruto das suas terras.
Os créditos de instalação dos novos assentamentos passaram de R$ 7 para R$ 15 mil. O total da área dos assentamentos criados no atual governo ultrapassa 9 milhões de hectares. Em 2 anos, uma área maior do que toda a área destinada para reforma agrária nos quatro anos do segundo governo FHC. O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária atendeu em dois anos mais de 120 mil assentados. Também superior ao que foi feito em todo o segundo mandato de FHC.
O MDA cancelou o cadastro de mais de 10.000 imóveis na região da Amazônia Legal. Esta ação inicia a maior intervenção fundiária já realizada nesta região, que representa quase metade do território brasileiro e onde se manifesta de forma mais aguda a violência no campo.
Estas e outras ações conjuntas com o Ministério do Meio Ambiente criam as condições para um padrão de desenvolvimento sustentável desta região com um rico patrimônio de biodiversidade.
Em 2004, pela primeira vez na história, o orçamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário superou o orçamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
A partir de Cancun, a agricultura familiar por meio do MDA e de representação dos movimentos sociais passou a participar das negociações internacionais, um espaço antes monopolizado pela agricultura patronal. O MDA passou a participar da CAMEX, onde é discutida a posição negociadora brasileira. Por iniciativa do MDA, a FAO aprovou a realização de uma conferência internacional sobre reforma agrária e desenvolvimento rural, a ser realizada em Porto Alegre, em 2006. Há 25 anos não havia tal iniciativa.
Todo o programa de governo “Vida Digna no Campo” e todos os 10 itens da Carta da Terra foram implementados pelo MDA. Este conjunto de ações constitui-se em um verdadeiro programa de desenvolvimento rural, expressão do conceito de reforma agrária construído no Fórum Mundial de Reforma Agrária, capaz de garantir direitos e ampliar a autonomia política e econômica das comunidades rurais, condição para se romper com os mecanismos de reprodução e manutenção do poder conservador e para impulsionar um novo modelo agrícola.
Sua implementação conta com o apoio social e militante dos movimentos e entidades sindicais e do Partido dos Trabalhadores, mas se dá de forma conflituosa. Conflitos no interior do governo federal, onde convivem diferentes projetos para o meio rural. E, especialmente, conflitos com os grandes proprietários de terra, com as forças conservadoras que não admitem a reforma agrária e conhecem os impactos das medidas do governo na redefinição das relações de poder.
Além do apoio e da mobilização social para garantir as condições de implementação de tais ações, um compromisso ativo com a reforma agrária implica também em ampla e militante solidariedade com sindicalismo rural e os movimentos sociais, que cumprem papel democrático e civilizador.
A partir do que vem sendo acumulado pelos e pelas militantes da DS nas diversas frentes de atuação, esta Conferência decide pela realização de um esforço coletivo de elaboração visando construir nossas formulações programáticas sobre a questão agrária, atualizando seu lugar na estratégia de luta pelo socialismo.
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