RAUL PONT
“Em 2010 votei na Dilma por causa do Lula, agora, voto na Dilma por causa da Dilma.”
Chico Buarque, no programa eleitoral da campanha presidencial de 2014
A vitória da presidenta Dilma foi o sucesso de um projeto político baseado em um desenvolvimento econômico subordinado ao emprego e à distribuição de renda. Um governo que tem lado e compromisso, não só na eleição. Na saudação do 1º de maio de 2014, a presidenta Dilma já reafirmava isso de forma clara e inequívoca.
O caráter heroico da vitória eleitoral nessa eleição valoriza nosso governo e o projeto que o identifica. O dramático desse pleito não foi a potência do adversário do segundo turno, o neoliberal Aécio Neves. Seu crescimento dependeu menos de suas virtudes pessoais e programáticas ou de seu governo. Por sinal um governo pífio, cheio de irregularidades e que foi rejeitado pelos eleitores.
Nosso maior inimigo foi o massacre que sofremos, diariamente, de uma mídia oligopólica que substitui os partidos de oposição e pauta, cotidianamente, a agenda oposicionista. E o faz há anos, como comprovam os estudos feitos na Uerj, analisando o comportamento dos grandes jornais do centro do país: O Globo, ESP e FSP.
Observando apenas alguns meses já temos a grandeza da cobertura negativa anti-Dilma e antigoverno e que foi responsável pelo ódio, pelo preconceito e pelo antipetismo presentes nas eleições, em maior ou menor grau, em todo o país. A tentativa criminosa de um golpe midiático nos últimos dias da campanha, perpetrado pela revista Veja, do Grupo Abril, foi o ápice dessa campanha orquestrada pelos grandes meios de comunicação.
Em segundo lugar, o sistema eleitoral vigente, com base no voto nominal, no financiamento por empresas e na possibilidade da coligação proporcional, já era uma morte anunciada no sentido conservador e reacionário do próximo Congresso. Mais uma vez predominou o poder econômico – campanhas eleitorais milionárias – e, principalmente, uma pulverização partidária destituída, na sua maioria, de compromissos programáticos, tornando inviável a construção de alguma governabilidade. Os três maiores partidos giram em torno de 10% da Câmara Federal, cada um.
Sem nenhuma reforma aprovada pelo Congresso que sai, com o engavetamento pelo ministro Gilmar Mendes da arguição de inconstitucionalidade do financiamento eleitoral por pessoas jurídicas, o pleito obedeceu às velhas regras em jogo: predomínio do poder econômico, quase a metade dos deputados federais, por suas declarações de patrimônio, são considerados milionários. A possibilidade das coligações proporcionais completou o quadro com o predomínio do reacionarismo e do conservadorismo e a pulverização partidária.
Finda a eleição, o PSDB não desceu do palanque. O candidato derrotado apresenta-se em nome dos 50 milhões que o apoiaram e com a cumplicidade da mídia, em especial da Rede Globo, não sai dos holofotes, bradando pelo terceiro turno, enquanto orientam sua base mais raivosa a levantar a bandeira do impedimento da presidenta Dilma. Seu mote são as denúncias e as relações das grandes empreiteiras e fornecedoras com a Petrobras e os supostos financiamentos a parlamentares e partidos.
A transição e composição do novo governo não será fácil. O comportamento do líder do PMDB na Câmara dá a dimensão do problema. Um partido que compõe o governo, indica o vice-presidente, controla vários ministérios e órgãos, mas não tem unidade nacional, nem responsabilidade programática com o projeto.
Eduardo Cunha e Henrique Alves organizaram a derrota da presidenta em relação ao decreto do Executivo que estimulava a participação da cidadania na estrutura dos Conselhos, existentes desde a Constituição de 1988. Puro revanchismo e chantagem no jogo político do tabuleiro do Congresso. Cunha organiza sua eleição à presidência da Câmara, rompendo o acordo tácito da primazia da indicação à maior bancada.
A presidenta Dilma não pode ceder a esse jogo mesquinho e pragmático. Por isso precisa total apoio do seu partido e dos partidos da base aliada, que compreendem o caráter histórico do momento que estamos vivendo.
A frase de Chico Buarque, genial em suas músicas, revela também um arguto comentário sobre o momento. Não cabe no partido o surgimento de sugestões de nomes que amenizem a crise e retomem a “confiança” do mercado. Muito menos saídas intempestivas de ministros, “batendo portas”. Esses só fazem o jogo dos inimigos, que querem dobrar o governo em questões-chave, como a política econômica e o Banco Central. A presidenta Dilma, que suportou essa tempestade até aqui, tem o discernimento para conduzir o próximo período com o partido e sua base aliada.
O que a maioria dos brasileiros que elegeu Dilma quer é que se aprofunde nosso projeto, e não um recuo para ganhar as boas graças do mercado.
A grande burguesia é hipócrita e farisaica, pois tem grandes lucros, faz greve de investimentos e não reclama da especulativa taxa Selic em 12%. Mesmo com as mudanças cambiais e as desonerações, não produz para exportar. Prefere ganhar no rentismo financeiro e na especulação.
O PSDB e os setores golpistas do PP continuam organizando e tentando mobilizar setores da população, pregando o impedimento da presidenta.
O papel dos partidos e dos movimentos sociais, que garantiram a reeleição da presidenta Dilma, deve ser no sentido de fortalecer o projeto para ampliar as mudanças no acesso aos direitos de educação, saúde, mobilidade e uma política que garanta o emprego e a melhor distribuição de renda.
Para isso, o principal caminho é ampliar a participação popular no governo. Por em prática uma democracia participativa que estimule e garanta espaços para o protagonismo social. Aí reside a ampliação mais segura da governabilidade e de construção de uma relação de forças mais sólida e maior da que se expressou no processo eleitoral.
Sem esse espaço de participação também não se altera a governabilidade congressual hoje atolada num terreno pantanoso e afeito aos negócios e corrupções. A eleição e os resultados já comentados anteriormente mostram que não será pela clara definição programática e de disciplina partidária que se moverão os aliados no parlamento.
Esse protagonismo popular, que é perfeitamente realizável, necessita assumir também a bandeira da reforma política eleitoral. O movimento não pode esfriar. As eleições provaram, mais uma vez, e de forma mais cabal, que o sistema eleitoral brasileiro perdeu sua legitimidade. Corroído pelos financiamentos empresariais, que acirram as disputas entre e dentro dos próprios partidos, a corrupção toma conta dos mandatos, pois os compromissos dos eleitos com as empresas, que investiram R$ 300 mil, R$ 500 mil ou R$ 1 milhão numa candidatura, serão muito maiores que os compromissos com os partidos e/ou os eleitores.
Diante das propostas existentes impõe-se, hoje, uma grande capacidade de diálogo, de tolerância e de busca de ação unitária em torno de posições comuns que acelerem o processo.
Artigo publicado originalmente em Carta Maior.
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