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O segundo governo Dilma e o fim da corrupção sistêmica no Brasil

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De modo decisivo, a campanha de Dilma iniciou um  movimento público para disputar a liderança e o paradigma do combate à corrupção, esvaziando os apelos demagógicos neoliberais e colocando uma trava na expansão pluriclassista do anti-petismo.

Por todos os motivos, deve ser saudado o décimo programa  levado ao público pela candidatura Dilma na televisão, todo ele dedicado a construir uma nova consciência pública sobre o combate à corrupção no Brasil.

O primeiro motivo é que para largas audiências, pela primeira vez, são apresentados de forma didática e construtiva os avanços  historicamente  inéditos na construção de um Estado republicano conquistados pelos governos Lula e Dilma Roussef. O simulacro que vincula PT à origem da corrupção no Brasil começa a ser consistentemente desmontado. É exatamente o contrário: é nos governos do PT que se têm alcançado as maiores conquistas na luta contra a corrupção.  A noção de que a democracia brasileira vem, apesar dos limites e contradições, se republicanizando é fundamental para superar a descrença na participação política que só alimenta a apatia  ou, pior ainda, se presta á instrumentalização conservadora.

O segundo motivo é que, através de um diálogo formador, a presidenta Dilma propôs superar o “efeito percepção”, que como um espelho invertido, classifica de mais corrupto o governo que mais combate a corrupção apenas porque neste contexto os atos de corrupção tornam-se visíveis e denunciados à opinião pública. Como explicou a presidenta, governos ditatoriais, fechados ao controle democrático, ou simplesmente corrompidos não demonstram a corrupção que lhes vai pelas entranhas.

O terceiro motivo é que o programa de televisão apresentado aborda o tema da corrupção por uma ótica não liberal, isto é, republicana e com valores socialistas. Assim, mostra-se que o problema não está simplesmente na órbita do Estado mas também nas empresas corruptoras, isto é, exatamente nas relações ilegítimas que são estabelecidas entre poderes econômicos e políticos.  No mesmo sentido, a denúncia na mesma sequência da proposta de “autonomia” do Banco Central, defendida por Marina Silva, mostra que economia política da grande corrupção pode se dar simplesmente pela captura dos órgãos estatais pelos poderes financeiros, que os subtraem do princípio da soberania popular que elege o presidente e o Congresso Nacional.

Um quarto motivo é que este discurso público é decisivo para combater e diminuir qualitativamente os altos índices de rejeição, em declínio mas que ainda rondam a reeleição de Dilma Roussef.   Sempre tendo claro que em uma provável  eleição de dois turnos, o índice de rejeição é fundamental para a definição da disputa, deve-se perguntar sobre qual a razão dos altos índices de rejeição que ainda persistem em relação  a candidatura de Dilma.

 

Três dimensões da rejeiçao

A resposta deveria combinar três planos de explicação mutuamente configurados.  O primeiro deles diz respeito claramente a uma avaliação negativa do governo Dilma, em função de uma massacrante campanha de censura, desinformação e difamação das grandes empresas de mídia. Com o início do horário eleitoral gratuito e com o fim do monopólio das informações, com o tempo majoritário que a coligação de Dilma dispõe, a avaliação do governo Dilma já melhorou sensivelmente: de julho a este início de setembro, o Datafolha registrou uma queda da avaliação ruim/péssimo de 29 % a 24 % e de ótimo /bom de 32 % para 36 % ( saldo positivo de 9 %) e o Ibope registrou uma queda do ruim/péssimo de 33 % para 26 % e uma elevação do ótimo/bom de 31 % para 36 % ( saldo positivo de 12 %). E o previsível é que este saldo de avaliação positiva ( em torno 10 % a 12 %)  continue a aumentar ao longo do mês de setembro.

O segundo plano refere-se a imagem pública de Dilma como governante. Se já nas eleições presidenciais de 2010, houve uma forte campanha de calúnias contra ela, nestes quatro anos o grau de ataques a ela pelos grandes meios de comunicação foi incessante e até maior do que o desferido contra o próprio Lula. Falta carisma a Dilma? Esta seria uma hipótese simplória e não explicaria porque, por exemplo,  porque Fernando Haddad, sem dúvida uma liderança pública de notável desempenho, enfrenta ainda índices de popularidade baixos na cidade de São Paulo. O problema central vem do déficit de comunicação política e este, decididamente, não foi um ponto forte nestes quatro anos de governo Dilma. A política é sempre o que parece ser, depende sempre da formação do juízo, como está bem posto em Maquiavel.

A campanha “Dima , coração valente” vem exatamente corrigir uma imagem de uma gestora  burocrática e insensível, alheia as utopias, e, ao mesmo tempo, expressar a forca indomável de seu caráter que a fez sobreviver as torturas dos cárceres da ditadura, reconstituir-se e fazer o caminho militante até a presidência da República.

Mas há um terceiro plano para explicar a alta rejeição ao PT nestas eleições, que é o fenômeno do anti-petismo, que certamente não é novo mas apresenta-se de modo particularmente enfático, mais virulento  e mais amplo nestas eleições. Como explicá-lo? 

Raiz de classe e policlassismo do anti-petismo

Há certamente uma base social classista na base da explicação do fenômeno do anti-petismo: a reação dos grandes detentores de poder e riqueza, dos desde sempre privilegiados a um período de grande transformação social que envolve a ascensão de dezenas de milhões de pessoas. A desigualdade é sempre uma relação e a sua superação questiona não apenas a inserção no mercado, mas hábitos seculares, símbolos estabelecidos, relações de mando. É sempre necessário lembrar que a todo direito corresponde um dever e os novos direitos dos trabalhadores, dos pobres, dos favelados, dos negros, das mulheres, dos nordestinos, dos agricultores familiares e dos sem-terra, dos gays e dos jovens impõem aos privilegiados novos deveres, novas atitudes, novos códigos de valores e relacionamentos.

Mas há também, sobre e a partir desta base social reativa, a construção sistemática de uma linguagem potencialmente universalizante do anti-petismo através da linguagem caluniosa da corrupção. É através da difamaçãode que a ascensão do PT ao governo provocou o aumento explosivo da corrupção no país que o anti-petismo se generalizou para além da base social dos privilegiados, alcançando inclusive largos setores sociais que foram inclusive profundamente beneficiados pelas políticas públicas e pelos direitos do trabalho criados durante os governos Lula e Dilma. A maior parte dos votos de Marina Silva se alimenta do mito da “nova política” e desta generalização do anti-petismo.

A corrupção, em um linguagem republicana, é um universal porque fere de morte a legitimidade de um governo. Todo fenômeno político pode ser direta e automaticamente a ele associado: por exemplo, as obras da Copa, segundo pesquisas realizadas, teriam sido todas marcadas pela corrupção;  há hoje uma consciência distorcida  generalizada  que a Petrobrás está sendo gerida por corruptos; como é frequente a opinião de que faltam recursos para educação e saúde por causa da corrupção.

A acusação de corrupção, além disso, interdita ou enfraquece a credibilidade de quem por ela é acusado. Em entrevista recente, por exemplo, FHC comemorava que a popularidade de Lula não havia sido afetada mas sim a sua credibilidade, isto é, o poder de convencimento de sua palavra. A partir de todo o massacre midiático espetacularizado em torno ao julgamento do chamado “mensalão”, a palavra pública do PT passou a ter, sem dúvida, uma crescente suspeição de falta de credibilidade.

Mas a opinião corrente de que o PT é o partido mais corrupto não tem evidencia nenhuma. A pesquisa feita pelo Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE)  evidenciou que de 2000 a 2006, dos políticos cassados por corrupção, em todos os cargos, apenas 2,9 % eram do PT. Puxavam a fila, os seguintes partidos: DEM ( 20,4 %), PMDB ( 19,5 %), PSDB ( 17,1 %), PP ( 7,7 % ), PTB ( 7,1 %), PDT ( 6,8 %), PR (5,0%), PPS ( 4,1%). O jornal Folha de São Paulo, de 8 de setembro de 2012, indicava os partidos com candidatos mais barrados pela Ficha Limpa: PSDB- 56, PMDB-49, PP-30, PR- 25, PSB- 23, PTB- 22, PSD-20, PT- 18, DEM- 16, PDT- 13, PPS-9. Isto é, apesar de ser hoje o maior partido do país, o PT aparecia em oitavo lugar entre os partidos com mais candidatos barrados pela lei da Ficha Limpa. .

Em duas séries nacionais de pesquisas realizadas pelo Instituto Vox Populi para o Centro de Referência do Interesse Público, da UFMG, cerca de 90 % da população considera a corrupção um fato grave ou muito grave. 

Fim da corrupção sistêmica e hegemonia na luta democrática

Nestas eleições de 2014, a candidatura de Dilma deveria propor um novo compromisso cívico com os brasileiros em torno ao fim da corrupção sistêmica no Brasil, definida como aquela que está inserida na própria dinâmica do sistema político e nem é eventual nem localizada. Este compromisso, didaticamente apresentado, teria certamente um efeito direto e decisivo sobre a diminuição de sua rejeição pelos eleitores, beneficiando imediatamente a todos os candidatos O primeiro passo é exatamente o de apresentar didaticamente a série sistemática e decisiva de iniciativas  dos governos Lula e Dilma na área do combate a corrupção, como foi apresentado no programa de televisão da campanha Dilma. Nas duas séries de pesquisas nacionais feitas pela Vox Populi, antes referidas, diante da pergunta se a corrupção estava ou não aumentando no Brasil, mais de 2/3 respondiam que sim; mas se perguntados se o que estava aumentando era a corrupção ou o combate a corrupção, 2/3 respondiam que o que estava aumentando era o combate a corrupção. Com a informação correta, devemos confiar que o povo brasileiro formará o seu juízo coerente.

O segundo passo é apoiar decididamente a proibição das empresas privadas corromperem as eleições, investindo milionariamente em candidatos , visando ganhos futuros de favores e privilégios na gestão  pública. Esta proibição, aliás, já está tendo ganho de causa no STF e tem o apoio de todas as entidades que lutam contra a corrupção. O importante plebiscito sobre a reforma política deveria ser explicitamente vinculado a defesa desta proibição que, além de renovar a cada eleição os circuitos da corrupção, deformam completamente a representação em favor dos ricos e poderosos. Deve ser explicado que a raiz maior da corrupção política no Brasil está exatamente no financiamento privado incontrolado praticado pelas empresas.

O terceiro passo seria o de alterar a processualística e a pena de criminalização da corrupção, tornando-a mais rápida e mais severa, sempre garantindo o devido processo legal.  O segundo governo Lula já enviou, a partir da orientação técnica da CGU, um projeto de lei nesta direção, que altera o super privilégio de recursos após condenações sucessivas e atualiza as penas dos corruptos. É uma medida fundamental para superar a consciência – em grande medida real – da impunidade da corrupção no Brasil.

O quarto passo é exatamente o de federalizar o combate a corrupção, criando índices de prevenção à corrupção, que possam ser publicamente disponibilizados para os cidadãos e que permitam estender o trabalho preventivo que hoje se faz no plano do governo  federal aos níveis estaduais e municipais da federação, para os órgãos  do executivo ( governos e empresas), além dos legislativos. Há hoje um grande desnível da construção de órgãos de combate a corrupção nos planos federal em relação aos governos estaduais (com a exceção do governo do Rio Grande do sul, que tem uma política própria nesta direção) e aos governos municipais em geral ( com a importante exceção do atual governo petista de São Paulo, que para lá levou a experiência direta acumulada pela CGU).

O quinto passo é exatamente o de desenvolver o combate a economia política da corrupção, que tem o seu centro exatamente no movimento de desregulamentação financeira e de livre movimentação dos capitais para paraísos fiscais. É importante, neste sentido, afirmar que a proposta de Marina Silva pela “autonomia do Banco Central”, insulando esta agencia do controle democrático da sociedade, maximizará a grande corrupção no Brasil.

Formam-se sólidas maiorias eleitorais assumindo a hegemonia na luta democrática. O decreto-lei que institucionaliza a participação social no governo federal, a ampla campanha pela reforma política e a luta pela democratizacão da comunicação vão exatamente nesta direção. Mas para que elas alcancem credibilidade e enraizamento na consciência popular é necessário que elas se vinculem decididamente ao compromisso do segundo governo Dilma pelo fim da corrupção sistêmica no Brasil.

 

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