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Sobre a Bolívia | Marília Closs

Algumas lições devem ser entendidas do processo. Num primeiro momento, depois das eleições do dia 20, múltiplos movimentos, críticas e demandas a Evo Morales e ao Movimiento al Socialismo tomaram as ruas na Bolívia. Em meio a isto, os comitês cívicos – sobretudo de Santa Cruz, Potosí e La Paz – avançaram com novas pautas e radicalizaram seus discursos: nem Evo Morales nem Carlos Mesa, segundo colocado nas eleições, serviam; novas eleições, tampouco; a renúncia imediata de Evo Morales era a única solução – e isto seria conseguido, nem que fosse por meio da ameaça, da força e da dissuasão. O segundo momento inicia quando Luiz Fernando Camacho, sua bandeira e sua bíblia entram no Palacio Quemado, dizendo que “saía Pachamama e entrava Deus” no controle sobre o Estado boliviano. A partir daí, o fascismo passou a dirigir o processo: atropelou organizações e movimentos populares, fossem do MAS ou à esquerda dele; controlou, dominou e conduziu os rumos da história política destes últimos pouco-mais-de-vinte-dias no país.

O golpe veio – e veio de uma direita que não é a direita neoliberal: é uma direita fascista, violenta, racista e misógina. A derrubada do Evo contou com a anuência das Forças Armadas e policiais? Contou. No entanto, o papel da dissuasão nestes mais de vinte dias ficou com a figura do miliciano, do paramilitar, do cívico cruceño – aquele que é do departamento de Santa Cruz – que atravessou o país em direção à capital para ameaçar não apenas a institucionalidade, mas toda a constelação social que se organizava ao redor do MAS e do Estado plurinacional. É importante ter isto em mente: o golpe na Bolívia foi dado pela “nova direita” latino-americana – que por óbvio não é apenas boliviana: é também brasileira, colombiana, argentina; não é apenas militarista, militarizada – é também miliciana.

A disputa agora não está somente entre como será decidido quem irá governar a Bolívia: se por guerra civil, se por eleições, se por artimanhas em cima da Constituição. A disputa é, também, sobre qual é efetivamente o Estado boliviano: é plurinacional? Voltará a ser república? Deixará de reconhecer suas nações originárias? Independentemente do resultado, o que fica claro é que a própria constituição – com c minúsculo – do Estado passa por debates raciais que estão latentes em todo subcontinente.

Marília Closs – Doutoranda e mestra em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ). Pesquisadora e coordenadora executiva do Núcleo de Estudos Sociais e Políticos (NETSAL) e pesquisadora pelo Observatório Político Sul-Americano (OPSA).

Com a Whipala, símbolo da Pátria, tremulando ao alto, uma gigantesca marcha tomou La Paz nesta quinta-feira (14) contra o golpe de Estado e garantiu que o Senado e Câmara da Bolívia passem a ser presididos respectivamente por Mônica Eva Copa e Sérgio Choque, do Movimento Ao Socialismo (MAS), partido do presidente Evo Morales, maioria no parlamento. (Original no : http://www.vermelho.org.br/noticia/324729-1)

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